São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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Editoriais

Mais controle judicial

Queixa de advogados contra abusos policiais procede, mas remédio proposto para coibi-los não é o mais adequado

CABE AO presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar o projeto de lei complementar (PLC) nº 36, que torna invioláveis os escritórios de advocacia. A queixa dos profissionais do direito contra abusos cometidos por autoridades é totalmente procedente, mas o remédio proposto para combatê-los é inadequado.
Lamentavelmente, alguns policiais se habituaram nos últimos anos a investigar suspeitos tomando o atalho de bisbilhotar seus advogados. Conseguem um mandado de busca e apreensão contra o escritório e põem as mãos numa série de documentos que tentarão usar como provas contra os investigados. O expediente, contudo, configura burla inaceitável dos princípios constitucionais do sigilo profissional e do direito à ampla defesa.
O PLC nº 36, de autoria do deputado Michel Temer (PMDB-SP), pretende consertar a distorção alterando o artigo 7º da lei nº 8.906 (Estatuto da Advocacia), que já prevê a inviolabilidade de escritório e material de trabalho de advogados, "salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB".
O que o PLC nº 36 fundamentalmente faz é restringir de tal forma essa cláusula de exceção que ela se torna quase inaplicável. Pelo texto proposto, apenas se o próprio advogado for suspeito de crime, a autoridade judiciária poderá decretar a quebra da inviolabilidade do escritório, mas não a utilização dos documentos e mídias ali presentes.
É um nível de proteção superior ao que a Constituição (art. 5º, XI) atribui à casa do cidadão, que não tem imunidade contra ordens judiciais. Cumprido à risca o dispositivo, escritórios de advocacia se converteriam em "cofres jurídicos", nos quais bandidos poderiam depositar despreocupadamente todo tipo de documentos incriminatórios.
Como costuma ocorrer no Brasil, o problema não está na ausência ou na inadequação das leis, mas no fato de que elas não são aplicadas como deveriam. As regras relativas à concessão de mandados de busca e apreensão (CPP art. 240 e seguintes) já exigem que as ordens sejam sempre específicas e baseadas em "fundadas razões", isto é, após a apresentação de indícios de autoria e materialidade do delito. Na prática, alguns magistrados renunciaram a exercer esse controle próprio da autoridade judicial, expedindo a busca e apreensão sem as precauções devidas.
Apenas ampliar a inviolabilidade de escritórios representa assim uma falsa solução. O que se deseja é equilibrar a necessidade de investigar os atos de pessoas sobre as quais recaiam suspeitas solidamente fundamentadas -não importa sua atividade profissional- com o princípio da presunção de inocência.
O modo de resolver o problema é ajustar procedimentos no Judiciário, assegurando que a suspensão de direitos só ocorrerá mediante satisfação das rígidas exigências legais existentes. O PLC nº 36, apesar da boa intenção, é peça pouco republicana e fica aquém de prevenir, para o conjunto dos cidadãos, os abusos que deseja combater.


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