São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Grampos, algemas e elites

SÃO PAULO - "Chegamos a um ponto em que temos de nos acostumar com o seguinte: falar no telefone com a presunção de que alguém está escutando". Tarso Genro tem companhia, além do colega José Múcio, que comparou seu celular a uma "rádio comunitária". Alçado ao Ministério da Justiça por FHC em 1997, o então senador goiano Iris Rezende também dizia que "o crime, muitas vezes, é inevitável".
Rezende era um tipo de capitão-do-mato, testemunha involuntária da cegueira da Justiça numa época em que o tucanato todo-poderoso reservava aquela pasta para acertos com a fisiologia e o atraso.
Evoluímos. No lugar do capataz, temos um falastrão do direito a comandar a temida PF. Conceda-se ao ministro Genro, como atenuante, que fazia uma "boutade" quando disse à platéia que, sim, estamos todos virtualmente grampeados e a vida é assim mesmo, ora, ora.
Um consumidor (ou cidadão?) menos afeito a ironias poderá não gostar da piada e exigir indenização (do governo?, das telefônicas?).
Mas Genro devia falar muito sério quando disse que as elites dão ao país uma inestimável contribuição ao apontar "lacunas legais" e "abusos" da polícia, o que só fazem agora porque a PF chegou até seu quintal.
O ministro brinca de luta de classes enquanto o governo a que serve as acomoda. Lula trata suas elites a pão-de-ló. A faxina da PF parece, de resto, seletiva. Quem se lembra dos "aloprados"? No final, tanto som e tanta fúria talvez tornem o país mais espetacular do que justo.
Genro, porém, nos oferece um suflê requentado do marxismo de almanaque mastigado pela retórica do bacharel. Quer fazer da universalização das algemas uma metáfora dos novos tempos republicanos. Talvez acredite pavimentar seu caminho para 2010. Mas convém combinar com o mundo real. Os corpos que vemos diariamente na TV sendo arrastados até os camburões mostram que algema, para bandido pobre, ainda é privilégio de poucos, só uma pulseirinha de luxo.


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