São Paulo, terça-feira, 27 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Paranóia na eleição "thrash"
JACOB PINHEIRO GOLDBERG
Senão vejamos, para escândalo dos bem-pensantes, patrulheiros e financistas: 1. O exorcismo da ideologia. Qualquer compromisso com princípios políticos, visões de mundo está, radicalmente, expulso da discussão. O estupro do chamado socialismo real, que começa no Relatório Kruschev e desemboca no niilismo das revelações, confissões e denúncias, transformara legendas e ícones em atores de dossiês policiais. O liberalismo, anunciando o "fim da história", com a celebração da massa e do consumo, joga a esperança no desemprego, a juventude na histeria abissal dum "rap" caricato, arquitetando malandros e picaretas, travestidos numa estatuária arrogante. 2. O intercâmbio dos personagens confunde a efígie das personalidades. Assim, José Serra, Hamlet, não sabe se assume ou não o legado de Fernando Henrique, deixando na orfandade a parcela do eleitorado que apóia a política presidencial, balançando, segundo o marketing, entre a austeridade, a vocação pessoal e a concessão ao populismo que acaba por confundir boi e vaca, para tema de José Simão. Ciro Gomes, herdeiro legítimo do poder nordestino, desfila, num modelo mal-ajambrado por matiz acadêmico, juntando o remanescente do Partido Comunista com Antonio Carlos Magalhães. Sutis ares de mistagogo, assustando os nervosos mercados, cujos fricotes especulativos correspondem à cartas marcadas, no déjà vu. Garotinho, pregador caubói, evangelista, ligação direta com o divino. Tenório Cavalcanti, na sanha moralizadora, que viceja na ambígua cultura fluminense. O ovo da serpente, do messianismo Getúlio-luterano. Luiz Inácio da Silva, no figurino de Duda, se transforma em Loyola, da dona Vera, emergente, desfilando com o hilário Alencar, milionário capaz de vender o patrimônio do Tio Patinhas, para uma vice-presidência ao modelo de compadre Itamar, mais Pança, menos Quixote, e na garupa sacrificando os sonhos de um Brasil, quatro anos em assembléia permanente. 3. Crise de identidade, dado o afastamento entre os anseios inconscientes da população e a linguagem dos "currais de voto eletrônico". Painel que teria outra leitura, em forma de metanóia. Senão, outra vez, vejamos: 1. Os protagonistas despejam os coadjuvantes, heterônimos de si mesmos, todos capazes de um rasgo patriótico, visionário, a informarem ao Brasil que o bravo capitão faz brava a gente e que este país tem uma dívida com seu povo merecedor dum destino "humano, demasiadamente humano". 2. A decisão voluntarista do apelo, à la Churchill, "com sangue, suor e lágrimas" mobiliza a sociedade, adulta, rejeitando a alienação. Eis que a aflição da cidadania, a guerra do crime organizado, jaz no oculto, no tabu. O sociodrama deste tempo sombrio está se configurando num conflito insanável. O esgarçamento do tecido partidário, tradicionalmente frágil, desmoraliza qualquer projeto de nação. As privatizações acompanhadas de escândalo lembram uma cena à Rasputin, que acaba por inventar um Estado-fantasma do qual o Espírito Santo se ergue fantasmático. E, no imaginário da desilusão e do aborrecimento, uma cultura debochada escolheu, a dedo, alguns milhares de figurantes num democratismo de imitação, para entregar o futuro do país. Todas essas vertentes e perplexidades podem traduzir o sentimento em "Alice no País das Maravilhas": "Acho que eles não jogam nada direito e brigam tanto que não dá para ouvir mais nada. Também parece que o jogo não tem regra nenhuma, ou, se tiver, ninguém cumpre". Lewis Carrol. Jacob Pinheiro Goldberg, 68, advogado e assistente social, é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie e autor de "Monólogo a Dois". E-mail: jacobpgoldberg@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Emílio Odebrecht: A crise e o Brasil real Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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