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JOSÉ SARNEY
Vargas, um destino
Somente Pedro 2º governou o
Brasil mais tempo que Vargas.
Até os 40 anos, esteve restrito ao Rio
Grande do Sul, advogado sem brilho,
político sem expressão, vivendo mais
a luta de São Borja do que a gaúcha.
Foi Borges de Medeiros que, em 1923,
o fez deputado federal. A partir daí,
em oito anos, passou de um bisonho
deputado, simples, de hábitos muito
austeros, orador sem despertar atenção, pálida figura parlamentar, a líder
de massas e ditador.
Dizia Luis Vianna Filho que, quem
chegasse à Câmara dos Deputados em
1924, olhasse Getúlio Vargas e dissesse
que teria futuro político relevante, seria tido como idiota.
Como era um homem sem arestas,
numa divisão da bancada gaúcha foi
escolhido para líder e presidente da
Comissão de Finanças, que cabia ao
Rio Grande do Sul. Declinou do cargo,
alegando que não entendia do assunto. Quando Washington Luís foi escolher o ministro da Fazenda, a preferência era para Lindolfo Collor, agitado parlamentar e articulista de assuntos econômicos. Foi excluído por ser
inimigo do presidente de São Paulo,
Carlos Campos. Queimado Collor,
Washington perguntou: "Quem é o líder da bancada do Rio Grande?". "Getúlio Vargas.". O presidente decidiu:
"Pois ele será o ministro". Advertido
de que Getúlio não entendia nada de
finanças, retrucou: "De finanças entendo eu".
Desde esse dia, sua estrela não pára
de subir. De ministro sai para governador do Rio Grande, daí para candidato a presidente, chefe da revolução e
ocupante do Catete por 15 anos e mais
três em 1950. Fez cartas de amor a
Washington Luís e depois derrubou-o
da Presidência.
No âmbito nacional, muda de personalidade, como acentua Osvaldo Trigueiros. Torna-se o esperto, o manhoso, o homem das rasteiras. Ele mesmo
dizia: "Tenho muitos amigos que poderão, no futuro, ser meus inimigos, e
muitos inimigos que, no futuro, podem tornar-se meus amigos". E assim
foi. Balançou-se pelo fascismo e pela
Alemanha hitlerista. Quando os ventos mudaram, ele mudou também e
passou para os aliados. Osvaldo Aranha, Flores, Borges de Medeiros, João
Neves da Fontoura oscilaram entre
amor e ódio.
Fala-se muito das conquistas da era
Vargas no terreno social, tendo como
primeiro passo a criação do Ministério do Trabalho. Só que essa reivindicação foi levada a ele pelos tenentes
que, para aderir à revolução, pediam
como primeiro item a criação do Ministério do Trabalho. A idéia do social
foi obra dos tenentes, que eram socialistas: socialistas eram Siqueira Campos, Prestes, Joaquim Távora. Deste
ideário afastou-se Juarez, não por motivos doutrinários, mas religiosos.
Carlos Castello Branco tinha a tese
de que Getúlio só tinha um objetivo na
sua carreira política: o suicídio. Fez tudo para que chegasse esse momento,
como Jânio com a renúncia.
A tragédia deifica os políticos.
Transformam-se em santos e em mártires. Já diziam os latinos: "Dos mortos só devemos falar bem". Foi assim
com César, Thomas Becket e Thomas
More (santos) e com Lincoln, Kennedy, Luther King, Allende, Getúlio.
Matar-se foi um espetacular golpe
político. Surpreendeu seus inimigos e
derrotou-os. Se não houvesse o suicídio, Getúlio teria passado como um
ditador violento e um governante
muito discutido.
Positiva ou negativa, sua presença
na história do Brasil é como pesada
sombra que ninguém poderá remover.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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