São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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JOSÉ SARNEY

Vargas, um destino

Somente Pedro 2º governou o Brasil mais tempo que Vargas.
Até os 40 anos, esteve restrito ao Rio Grande do Sul, advogado sem brilho, político sem expressão, vivendo mais a luta de São Borja do que a gaúcha. Foi Borges de Medeiros que, em 1923, o fez deputado federal. A partir daí, em oito anos, passou de um bisonho deputado, simples, de hábitos muito austeros, orador sem despertar atenção, pálida figura parlamentar, a líder de massas e ditador.
Dizia Luis Vianna Filho que, quem chegasse à Câmara dos Deputados em 1924, olhasse Getúlio Vargas e dissesse que teria futuro político relevante, seria tido como idiota.
Como era um homem sem arestas, numa divisão da bancada gaúcha foi escolhido para líder e presidente da Comissão de Finanças, que cabia ao Rio Grande do Sul. Declinou do cargo, alegando que não entendia do assunto. Quando Washington Luís foi escolher o ministro da Fazenda, a preferência era para Lindolfo Collor, agitado parlamentar e articulista de assuntos econômicos. Foi excluído por ser inimigo do presidente de São Paulo, Carlos Campos. Queimado Collor, Washington perguntou: "Quem é o líder da bancada do Rio Grande?". "Getúlio Vargas.". O presidente decidiu: "Pois ele será o ministro". Advertido de que Getúlio não entendia nada de finanças, retrucou: "De finanças entendo eu".
Desde esse dia, sua estrela não pára de subir. De ministro sai para governador do Rio Grande, daí para candidato a presidente, chefe da revolução e ocupante do Catete por 15 anos e mais três em 1950. Fez cartas de amor a Washington Luís e depois derrubou-o da Presidência.
No âmbito nacional, muda de personalidade, como acentua Osvaldo Trigueiros. Torna-se o esperto, o manhoso, o homem das rasteiras. Ele mesmo dizia: "Tenho muitos amigos que poderão, no futuro, ser meus inimigos, e muitos inimigos que, no futuro, podem tornar-se meus amigos". E assim foi. Balançou-se pelo fascismo e pela Alemanha hitlerista. Quando os ventos mudaram, ele mudou também e passou para os aliados. Osvaldo Aranha, Flores, Borges de Medeiros, João Neves da Fontoura oscilaram entre amor e ódio.
Fala-se muito das conquistas da era Vargas no terreno social, tendo como primeiro passo a criação do Ministério do Trabalho. Só que essa reivindicação foi levada a ele pelos tenentes que, para aderir à revolução, pediam como primeiro item a criação do Ministério do Trabalho. A idéia do social foi obra dos tenentes, que eram socialistas: socialistas eram Siqueira Campos, Prestes, Joaquim Távora. Deste ideário afastou-se Juarez, não por motivos doutrinários, mas religiosos.
Carlos Castello Branco tinha a tese de que Getúlio só tinha um objetivo na sua carreira política: o suicídio. Fez tudo para que chegasse esse momento, como Jânio com a renúncia.
A tragédia deifica os políticos. Transformam-se em santos e em mártires. Já diziam os latinos: "Dos mortos só devemos falar bem". Foi assim com César, Thomas Becket e Thomas More (santos) e com Lincoln, Kennedy, Luther King, Allende, Getúlio.
Matar-se foi um espetacular golpe político. Surpreendeu seus inimigos e derrotou-os. Se não houvesse o suicídio, Getúlio teria passado como um ditador violento e um governante muito discutido.
Positiva ou negativa, sua presença na história do Brasil é como pesada sombra que ninguém poderá remover.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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