São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Bolha eleitoral

JORGE BORNHAUSEN

Número é número, não se discute. Mas a ousadia dos marqueteiros petistas está indo longe demais. Eles manipulam os números para evitar que seus candidatos sofram a merecida penalização pelo medíocre desempenho da economia brasileira (devia ter escrito fraco, insatisfatório, incompetente, mas fica o medíocre mesmo).
Induzindo-nos a esquecer que um número não significa nada, se não estabelece uma relação de quantidade em comparação com outra, o marketing do governo está fazendo passar como troféu o que são provas de fracasso. São notícias falsas como essa história de que venceu o desemprego, reverteu o quadro de desespero de milhões de brasileiros sem oportunidade de trabalho. Ou como a afirmação de que a indústria entrou numa trilha de "desenvolvimento sustentado", sem explicar o que isso significa.
Ora, nem o emprego cresceu suficientemente nesse primeiro semestre de 2004 para absorver os desempregados que se acumularam em 2003, nem, muito menos, a indústria avançou além da sua capacidade ociosa, recuperando o retrocesso de produção e faturamento dos calamitosos 12 meses anteriores. E não estão sendo feitos investimentos para que esse crescimento prossiga.


Alguém tem dúvida de que, passadas as eleições, subirá o preço da gasolina e os juros se elevarão além dos 16% atuais?


Os números do governo, portanto, não representam nenhuma vantagem nem o qualificam a nenhum pódio. Para aproveitar a referência do momento, digamos que os números do governo Lula não são suficientes para uma disputa olímpica, não o classificam para disputar medalhas. Muito pelo contrário, são medíocres, estão abaixo das marcas mínimas em cada setor.
Além do mais, os números são suspeitos e estão sendo, sem dúvida, manipulados, para que produzam um quadro falso de euforia nos 60 dias que antecedem as eleições municipais. É o tal "estelionato eleitoral", que mais uma vez se tenta produzir. Ou alguém tem dúvida de que, passadas as eleições, subirão os preços da gasolina e derivados de petróleo em geral e os juros se elevarão além dos 16% atuais? Basta acompanhar os fatos públicos, como a cotação internacional do barril de petróleo e as tendências das taxas inflacionárias.
Os números eventuais, porém, provocados por generosos bons ventos da economia mundial -que estão fazendo outros países de economia emergente crescerem o dobro ou mais que o dobro, quase o triplo, do Brasil-, são usados para dar a impressão de que o governo Lula conseguiu produzir o tal "espetáculo do crescimento". Coisa nenhuma. O que estamos assistindo, por enquanto, é um típico fenômeno de "bolha eleitoral".
Faz-se uma desavergonhada exaltação maciça, especialmente pela TV, de resultados medíocres. Nossa economia podia e devia estar crescendo a 8%, 9%, pois a média mundial é de cerca de 5%, mas o governo se auto-elogia porque o Brasil vai crescer 3% ou 3,5%.
É incrível a falta de cerimônia com que se congratulam pela possibilidade futura -pois é uma previsão- de o crescimento atingir 3% ou 3,5%, omitindo que a previsão da média mundial de crescimento é de 5%. Sem falar que escondem a potencialidade de 8% a 9%, reconhecida pela maioria dos analistas econômicos.
Se a TV, por exemplo, fosse além de noticiar secamente esses números da "bolha eleitoral", de que se aproveita o governo, e colocasse no ar seus próprios analistas econômicos, o governo veria o que é bom para a tosse, pois a comparação dos números é muito ruim, escandalosamente negativa.
Também não vamos recuperar 1 milhão de postos de trabalho, de empregos, perdidos pela recessão provocada pela má gerência governamental em 2003. Nem vamos ter um crescimento sustentado, porque faltam investimentos e credibilidade ao governo, que diminui o poder das agências reguladoras -instrumentos básicos de garantia dos investidores. Enquanto há sinais de estatização, uma doença infantil do nacionalismo irracional que nem os nacionalistas modernos admitem, o governo mostra que está de costas para a modernidade e procura, fraudulentamente, sonegar a informação de que os melhores resultados da economia são da iniciativa privada, e não do poder público. Aliás, pode-se dizer que, além de não estimulá-la, perseguiu e debilitou a iniciativa privada com taxas e tributações que elevaram a nossa carga tributária a 40% do PIB.
Nada mais insólito e ilegal, porém, do que o fato de o presidente da República convocar uma cadeia nacional de rádio e TV em período eleitoral, contrariando expressamente o artigo 73 da Lei Eleitoral, para, 24 horas antes do início da campanha na televisão, contar como vantagem (e com isso favorecer seus candidatos) esses números que, como demonstrei, não constituem êxito, mas certamente constituem uma "bolha eleitoral"; números soltos, que, se fossem comparados, revelariam mediocridade e incompetência.
Marketing de produto ordinário, ensina a experiência, não resiste ao teste do consumo. Deus nos proteja.

Jorge Konder Bornhausen, 66, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).


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