São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

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JOÃO SAYAD

Os miseráveis

No Brasil a pobreza foi se acumulando em camadas sedimentares ao longo de muitos anos de estagnação ou desenvolvimento. O desenvolvimento destrói formas antigas de produção. A estagnação impede que novas gerações se incluam na economia maior e renovada.
Na primeira camada, está o Brasil profundo -índios e caboclos que vivem da floresta, caiçaras pescadores em praias inacessíveis, sertanejos do Nordeste árido. O capitalismo passou ao largo dessas famílias pobres de vida franciscana, que, a bem da verdade, deveriam ser deixadas em paz.
Sobre essa está a camada dos brasileiros pobres expulsos pelo desenvolvimento agrícola ou atraídos pelas cidades iluminadas e cheias de empregos, que saíram de onde estavam, procurando novas oportunidades, e encontraram crises financeiras em vez de empregos. Acumularam-se na periferia das grandes cidades, em favelas, cortiços e invasões.
Uma terceira camada se deposita sobre as outras duas, a das famílias que haviam chegado ao emprego da cidade e que constituíam a classe média baixa ou operários com emprego fixo, muitos com carteira assinada. Perderam o emprego, o lugar que tinham e foram morar em habitações precárias.
São 55 milhões de brasileiros pobres. Dois terços, as duas camadas de cima, estão amontoados nas periferias das grandes cidades brasileiras. São brasileiros que não conseguiram empregos ao vir para a cidade ou que perderam o emprego e "caíram" na periferia durante os últimos 20 anos.
A pobreza em torno das grandes cidades cresce rapidamente a partir da crise da dívida externa, em 1982. De 1982 em diante, o Brasil e toda a América Latina, a área de influencia do dólar, passam a enfrentar superinflação e estagnação.
Passam-se dez anos -tempo necessário para que os bancos credores pudessem acumular capital e suportar as perdas- até que a divida pudesse ser renegociada. Depois, são dez anos de combate à inflação e reformas estruturais, como privatização, abertura comercial e controle dos gasto públicos.
Dois terços dos pobres brasileiros resultam do desemprego ou da falta de crescimento dos últimos 20 anos. Se tivéssemos crescido, o desemprego seria menor entre os que estavam empregados. E o emprego seria maior entre os que entravam na força de trabalho. Fome não é problema fundamental para um grande país exportador de produtos agrícolas. Educação é fundamental, embora não resolva a pobreza. Renda mínima poderia ajudar, se fosse programa universal e significativo, de forma a funcionar como gasto compensatório para evitar flutuações na demanda agregada.
O Brasil não cresce há 20 anos por por causa da elevação dos juros americanos nos anos 80 e pela superinflação combatida com câmbio sobrevalorizado e juros absurdos há dez anos.
A pobreza pode ser apenas aliviada pelos gastos sociais e pela ação benemérita do terceiro setor. Só o crescimento pode evitar que os jovens que chegam à idade de trabalhar não consigam emprego e acabem se amontoando entre os pobres. Já perdemos duas gerações, excluídas pela estagnação. A pobreza é um fenômeno monetário.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.

@ - jsayad@attglobal.net


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