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JOÃO SAYAD
Os miseráveis
No Brasil a pobreza foi se acumulando em camadas sedimentares ao longo de muitos anos de estagnação ou desenvolvimento. O desenvolvimento destrói formas antigas
de produção. A estagnação impede
que novas gerações se incluam na economia maior e renovada.
Na primeira camada, está o Brasil
profundo -índios e caboclos que vivem da floresta, caiçaras pescadores
em praias inacessíveis, sertanejos do
Nordeste árido. O capitalismo passou
ao largo dessas famílias pobres de vida
franciscana, que, a bem da verdade,
deveriam ser deixadas em paz.
Sobre essa está a camada dos brasileiros pobres expulsos pelo desenvolvimento agrícola ou atraídos pelas cidades iluminadas e cheias de empregos, que saíram de onde estavam, procurando novas oportunidades, e encontraram crises financeiras em vez
de empregos. Acumularam-se na periferia das grandes cidades, em favelas,
cortiços e invasões.
Uma terceira camada se deposita sobre as outras duas, a das famílias que
haviam chegado ao emprego da cidade e que constituíam a classe média
baixa ou operários com emprego fixo,
muitos com carteira assinada. Perderam o emprego, o lugar que tinham e
foram morar em habitações precárias.
São 55 milhões de brasileiros pobres.
Dois terços, as duas camadas de cima,
estão amontoados nas periferias das
grandes cidades brasileiras. São brasileiros que não conseguiram empregos
ao vir para a cidade ou que perderam
o emprego e "caíram" na periferia durante os últimos 20 anos.
A pobreza em torno das grandes cidades cresce rapidamente a partir da
crise da dívida externa, em 1982. De
1982 em diante, o Brasil e toda a América Latina, a área de influencia do dólar, passam a enfrentar superinflação e
estagnação.
Passam-se dez anos -tempo necessário para que os bancos credores pudessem acumular capital e suportar as
perdas- até que a divida pudesse ser
renegociada. Depois, são dez anos de
combate à inflação e reformas estruturais, como privatização, abertura comercial e controle dos gasto públicos.
Dois terços dos pobres brasileiros
resultam do desemprego ou da falta
de crescimento dos últimos 20 anos.
Se tivéssemos crescido, o desemprego
seria menor entre os que estavam empregados. E o emprego seria maior entre os que entravam na força de trabalho. Fome não é problema fundamental para um grande país exportador de
produtos agrícolas. Educação é fundamental, embora não resolva a pobreza. Renda mínima poderia ajudar, se
fosse programa universal e significativo, de forma a funcionar como gasto
compensatório para evitar flutuações
na demanda agregada.
O Brasil não cresce há 20 anos por
por causa da elevação dos juros americanos nos anos 80 e pela superinflação
combatida com câmbio sobrevalorizado e juros absurdos há dez anos.
A pobreza pode ser apenas aliviada
pelos gastos sociais e pela ação benemérita do terceiro setor. Só o crescimento pode evitar que os jovens que
chegam à idade de trabalhar não consigam emprego e acabem se amontoando entre os pobres. Já perdemos
duas gerações, excluídas pela estagnação. A pobreza é um fenômeno monetário.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net
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