São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

No tempo das camisas

RIO DE JANEIRO - Alguma coisa deve estar acontecendo com o PT. Mesmo descontando o trivial variado de qualquer grupo que chega ao poder, o que sobra parece comprometer seriamente a vestal de nossa vida pública, o partido fundado para ser diferente dos demais, provado e comprovado em lutas pela moralização dos bons costumes políticos, pela fidelidade às suas origens populares.
O nível está cada vez mais baixo. Uma senadora do próprio partido e um ex-ministro do atual governo não só admitem, mas acusam o governo e o PT frontalmente da prática mais fisiológica de fazer política, que é a de distribuir dinheiro, dinheiro vivo, em espécie, para as grandes jogadas da atual fase eleitoral.
Até então, o fisiologismo habitual seria o clientelismo puro e simples, cargos e vagas para lubrificar apoios e votos. Prática condenável, é certo, mas tão freqüente e universal que é debitada à conta das misérias humanas. Uns pelos outros, todos os governos usaram ou abusaram deste recurso, que se incorporou à arte de fazer política, na tradicional base da mão que lava a outra, do dando é que se recebe.
Na semana passada, as acusações de Miro Teixeira e Heloísa Helena não podiam ser levadas à conta do ressentimento ou do cálculo eleitoral. Foram provocadas pelo acúmulo de fatos, e não de suspeitas, de que rola dinheiro nesta reta final das eleições municipais.
Em 1989, quando Lula foi candidato presidencial pela primeira vez, entrevistei-o num escritório modesto. A seu lado, apenas Ricardo Kotscho, até hoje seu amigo fiel e agora heróico. Na mesa de Lula, espalhadas e pobres, algumas camisas do partido, que pareciam ser a fonte principal da receita do PT. Não me ofereceram nenhuma, mas evidente que ali estavam para serem compradas pelos simpatizantes. Fiquei comovido com a pobreza monacal daquela campanha.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O crepúsculo dos caciques
Próximo Texto: João Sayad: Os miseráveis
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.