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CARLOS HEITOR CONY
No tempo das camisas
RIO DE JANEIRO - Alguma coisa deve estar acontecendo com o PT. Mesmo descontando o trivial variado de
qualquer grupo que chega ao poder,
o que sobra parece comprometer seriamente a vestal de nossa vida pública, o partido fundado para ser diferente dos demais, provado e comprovado em lutas pela moralização
dos bons costumes políticos, pela fidelidade às suas origens populares.
O nível está cada vez mais baixo.
Uma senadora do próprio partido e
um ex-ministro do atual governo não
só admitem, mas acusam o governo e
o PT frontalmente da prática mais fisiológica de fazer política, que é a de
distribuir dinheiro, dinheiro vivo, em
espécie, para as grandes jogadas da
atual fase eleitoral.
Até então, o fisiologismo habitual
seria o clientelismo puro e simples,
cargos e vagas para lubrificar apoios
e votos. Prática condenável, é certo,
mas tão freqüente e universal que é
debitada à conta das misérias humanas. Uns pelos outros, todos os governos usaram ou abusaram deste recurso, que se incorporou à arte de fazer política, na tradicional base da
mão que lava a outra, do dando é
que se recebe.
Na semana passada, as acusações
de Miro Teixeira e Heloísa Helena
não podiam ser levadas à conta do
ressentimento ou do cálculo eleitoral.
Foram provocadas pelo acúmulo de
fatos, e não de suspeitas, de que rola
dinheiro nesta reta final das eleições
municipais.
Em 1989, quando Lula foi candidato presidencial pela primeira vez, entrevistei-o num escritório modesto. A
seu lado, apenas Ricardo Kotscho,
até hoje seu amigo fiel e agora heróico. Na mesa de Lula, espalhadas e pobres, algumas camisas do partido,
que pareciam ser a fonte principal da
receita do PT. Não me ofereceram nenhuma, mas evidente que ali estavam para serem compradas pelos
simpatizantes. Fiquei comovido com
a pobreza monacal daquela campanha.
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