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CARLOS HEITOR CONY
O cuspe e o tiro
RIO DE JANEIRO - Uma pergunta baila no ar, como aquele vaga-lume
do soneto machadiano: diante de
tanto descalabro na política nacional, não haverá clima para um golpe
de Estado, promovido pelos militares
ou mesmo pela sociedade civil indignada com tanta e tamanha corrupção?
Não acredito nessa hipótese. Os golpes de Estado, ao longo da história
universal, são desfechados quando
há idéias em choque, ou, se quiserem,
ideologias antagônicas. Tomando
como exemplo mais próximo e que
mais nos toca: o golpe de 64 foi executado no contexto da Guerra Fria,
quando havia o temor de que o Brasil
se tornasse comunista ou uma complicada república sindicalista -o
que daria mais ou menos na mesma.
Evidente que havia corrupção naquele tempo, como sempre houve.
Mas não foi isso o que motivou os militares a darem o golpe, ajudados por
entidades civis como o IPÊS e o IBAD
e com o apoio ostensivo dos Estados
Unidos, depondo João Goulart e caçando todas as bruxas acusadas de
subversão.
Foi assim também na Revolução
Russa e na Revolução Francesa. O
poder nas mãos de Luís 16, o czarismo nas mãos de Nicolau 2º, não acabaram por causa da decadência moral da monarquia francesa ou das
mandingas de Rasputin, que direta
ou indiretamente alimentavam a
corrupção, talvez maior e mais devastadora do que a nossa.
Foram idéias que levaram o rei à
guilhotina e o czar ao fuzilamento.
No primeiro caso, venceu o ideal republicano nascido com os enciclopedistas e alimentado por gênios como
Danton. No caso russo, venceu o
marxismo em versão bolchevista, alimentado por Lênin. Idéias, sempre
idéias.
Na crise que agora atravessamos,
inexiste o conflito de quaisquer
idéias, nem sequer há idéias em jogo.
Todos estão do mesmo lado: são éticos, republicanos, transparentes etc.
O que existe é a corrupção que corre
solta, encolerizando a nação. Muito
cuspe e nenhum tiro.
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