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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Aprofundar a democracia
A alternativa de que precisa o
Brasil tem três componentes:
mudar o modelo econômico, revolucionar o ensino público e construir
democracia capaz de acabar com o
controle oligárquico do poder. Nenhum dos três pode ir longe sem os
outros dois. Erram gravemente os se
aferram a um em prejuízo dos outros.
É no terceiro desses três pontos que
o debate brasileiro mais vem avançando. Difunde-se a convicção de que o
país não conseguirá mudar de rumo
sem adotar instituições que facilitem e
organizem a participação do povo na
política. E que permitam aos cidadãos
comuns trocar o sentimento de impotência pela convicção do potencial
transformador da ação cívica.
É daí que vem a reivindicação -já
esboçada, mas deixada letra morta, na
Constituição de 1988- de enriquecer
a democracia representativa com elementos de democracia direta. Um
desses elementos seria o direito dos
eleitores de cassar os mandatos de
mandatários infiéis, Outro elemento
seria a faculdade dos eleitores de intervir, por meio de plebiscitos, nos impasses entre Poderes do Estado. Tais
plebiscitos seriam convocados por
proposta de um dos Poderes ou por
iniciativa de qualquer movimento que
demonstre contar, para isso, com
apoio forte no país. Falseiam a tese da
radicalização democrática os que a denunciam como ataque contra a democracia representativa. O que ela quer é
tornar essa democracia efetiva, em
meio aos extremos de desigualdade de
que sofremos.
Dois equívocos são comuns entre os
defensores da democracia radical no
Brasil. O primeiro equívoco é supor
que ela seja uma preliminar às outras
partes da alternativa nacional. A experiência histórica mostra o contrário:
um país só muda suas instituições políticas quando se convence de que precisa mudá-las para quebrar a camisa-de-força que a impede de andar. A
reorganização política do país só pode
ocorrer no curso da luta para democratizar oportunidades econômicas e
educativas. Preliminar mesmo, e capaz de ser consensual, apenas a necessidade de tirar da política a sombra do
dinheiro, reformando o financiamento eleitoral e proibindo entendimentos secretos entre governantes e endinheirados.
O segundo equívoco é deduzir do
compromisso de enriquecer a democracia representativa com elementos
de democracia direta e participativa a
conveniência de instaurar o parlamentarismo já. Formas de governo
são invenções humanas; seu significado depende do contexto em que funcionam. Pequenas diferenças em sua
construção podem surtir vastos efeitos. O eleitorado brasileiro já intuiu,
nas repetidas tentativas de lhe impor o
parlamentarismo, esforço para confiscar o pouco que nos resta de soberania
popular. Se tivéssemos parlamentarismo hoje, todos nossos chefes de governo seriam políticos especializados
em cuidar para nada acontecer. O presidencialismo que copiamos dos Estados Unidos, porém, também, não nos
serve: foi desenhado para dificultar a
transformação da sociedade por meio
da política. O caminho é corrigi-lo,
dotando-o de mecanismos para a resolução pronta dos impasses tais como plebiscitos abrangentes ou eleições antecipadas. Criam-se, com isso,
condições para adotar, na etapa seguinte, um parlamentarismo que não
seja de enganação e de esbulho.
Não há salvamento sem política.
Não há democracia sem participação.
Não há mudança sem calor e sem luz.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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