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TENDÊNCIAS/DEBATES
Bumerangue rural
XICO GRAZIANO
Do ponto de vista eleitoreiro, a redução no preço dos alimentos conta no lucro. Mas, pensando no futuro do país, dará grande prejuízo
AO AVALIAR sua força eleitoral
em recente entrevista, o presidente da República, certamente sem o saber, botou o dedo na ferida
da agricultura brasileira. "Uma dona
de casa paga R$ 5,90 pelo arroz Tio
João. Em 2003, ela pagava R$ 13. Vai
falar de mim para essa mulher", afirmou Lula.
É verdade. O preço dos alimentos
caiu desde 2004. O poder de compra
do salário, portanto, aumentou. Bom,
especialmente para as famílias mais
pobres. O povo está comendo mais e
gastando menos. Sendo imediatista e
pensando do ponto de vista eleitoreiro, o feito contabiliza no lucro.
No entanto, raciocinando em médio prazo e considerando o futuro do
país, a forte redução no preço dos alimentos dará grande prejuízo. Arrebentou a renda rural. Nas duas últimas safras, houve prejuízo no campo,
trazendo endividamento para os agricultores. No açougue, a carne ficou
barata; no pasto, a arroba do boi apresentou seu menor valor em 36 anos. A
dona-de-casa ganha; o produtor rural
perde.
No resultado agregado, as estimativas da CNA (Confederação Nacional
da Agricultura e Pecuária) indicam
um recuo de 1,88% no PIB do agronegócio para 2006. Essa é a principal razão do freio no crescimento da economia brasileira. Mesmo com as exportações, no volume, em bons níveis, a
taxa de câmbio valorizada impede a
recuperação da renda setorial. Pior,
verifica-se desemprego nas regiões da
fronteira agrícola. Retrai a agropecuária, pára o comércio no interior.
Prestes a semear, o Brasil vai reduzir a área plantada na próxima safra
de grãos. Será, pasmem, o terceiro
ano consecutivo em que se verifica redução no plantio. O menor uso de tecnologia, como fertilizantes e defensivos, pressupõe tendência de queda
também no volume da produção.
Mais do que nunca, são Pedro será o
grande responsável pela safra vindoura. Que Deus nos ajude!
Neste ano, a colheita do trigo já encolheu perto de 40%. A dependência
do trigo importado, que havia sido reduzida para menos de 50% do consumo, vai aumentar para 70%. Resultado: aumentará o preço do pão e do
macarrão. Aliás, já aumentou.
Mas vai subir mais ainda, pois, no
mercado internacional, o trigo está
escasso, distante e caro. Situação semelhante ocorre com o arroz. Os estoques mundiais estão baixos, e a safra colhida retraiu 12,9%. Motivo? Má
remuneração do arrozeiro.
Se o presidente Lula fosse hoje ao
supermercado, veria que o Tio João,
que de bobo não tem nada, reajustou
o preço de seu arroz. O pacote de 5 kg,
tipo referência, custa agora R$ 7. Só
resta torcer para o feijão se acalmar.
Senão, vem aí carestia brava.
A carne, depreciada nos últimos
quatro anos, está rapidamente recuperando preços. Nos últimos 45 dias,
o preço da carne bovina subiu perto
de 20%. Melhor dizendo, o bife não
cresceu, apenas recupera o terreno
perdido. É fácil explicar o fenômeno:
durante o período de vacas magras,
ocorreu forte matança de fêmeas. Na
seqüência, bezerros escassearam.
Hoje, falta boi gordo no mercado.
Culpa de quem?
Não há nenhuma vantagem para a
sociedade em garantir comida barata
massacrando o produtor rural. Os pobres gostam, até votam mais facilmente, mas o descaso com a agropecuária faz cair a segurança alimentar
da nação. O bumerangue rural surge,
ameaçador, e o sonho vira pesadelo.
Ensina a economia rural que esse
efeito de preço somente não seria
prejudicial se adviesse de aumentos
de produtividade na roça, no processamento ou na distribuição dos produtos. Isso aconteceria, conforme de
fato se verificou nos últimos 40 anos,
com uso de melhor tecnologia e logística. Nesses casos, pode favorecer a
ambos -produtor e consumidor. Fora disso, é como uma gangorra. Melhora para um, piora para o outro.
A democracia exige aprendizado.
Utilizar-se do baixo preço dos alimentos para ajudar a vencer eleições
é sempre tentador. No caso do governo Lula, parece ter havido um erro de
cálculo, talvez cometido pelos mesmos estrategistas que elaboram seus
malditos dossiês. Na reta final das
eleições, os alimentos pressionam
fortemente o custo de vida. A amarra
dos preços está arrebentando. Vai
criar grande dor de cabeça aos donos
do poder.
Tomara que seja a última vez que
um governo trata com desdém seus
agricultores. Nunca vale a pena matar
as galinhas dos ovos de ouro. Vira herança maldita.
FRANCISCO GRAZIANO NETO, o Xico Graziano, é engenheiro agrônomo, deputado federal pelo PSDB-SP, consultor de empresas e presidente da ONG Agra-Brasil. Foi
presidente do Incra (1995) e chefe do gabinete pessoal da
Presidência da República (governo FHC).
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