São Paulo, quarta-feira, 27 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Bumerangue rural

XICO GRAZIANO

Do ponto de vista eleitoreiro, a redução no preço dos alimentos conta no lucro. Mas, pensando no futuro do país, dará grande prejuízo

AO AVALIAR sua força eleitoral em recente entrevista, o presidente da República, certamente sem o saber, botou o dedo na ferida da agricultura brasileira. "Uma dona de casa paga R$ 5,90 pelo arroz Tio João. Em 2003, ela pagava R$ 13. Vai falar de mim para essa mulher", afirmou Lula.
É verdade. O preço dos alimentos caiu desde 2004. O poder de compra do salário, portanto, aumentou. Bom, especialmente para as famílias mais pobres. O povo está comendo mais e gastando menos. Sendo imediatista e pensando do ponto de vista eleitoreiro, o feito contabiliza no lucro.
No entanto, raciocinando em médio prazo e considerando o futuro do país, a forte redução no preço dos alimentos dará grande prejuízo. Arrebentou a renda rural. Nas duas últimas safras, houve prejuízo no campo, trazendo endividamento para os agricultores. No açougue, a carne ficou barata; no pasto, a arroba do boi apresentou seu menor valor em 36 anos. A dona-de-casa ganha; o produtor rural perde.
No resultado agregado, as estimativas da CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária) indicam um recuo de 1,88% no PIB do agronegócio para 2006. Essa é a principal razão do freio no crescimento da economia brasileira. Mesmo com as exportações, no volume, em bons níveis, a taxa de câmbio valorizada impede a recuperação da renda setorial. Pior, verifica-se desemprego nas regiões da fronteira agrícola. Retrai a agropecuária, pára o comércio no interior.
Prestes a semear, o Brasil vai reduzir a área plantada na próxima safra de grãos. Será, pasmem, o terceiro ano consecutivo em que se verifica redução no plantio. O menor uso de tecnologia, como fertilizantes e defensivos, pressupõe tendência de queda também no volume da produção.
Mais do que nunca, são Pedro será o grande responsável pela safra vindoura. Que Deus nos ajude! Neste ano, a colheita do trigo já encolheu perto de 40%. A dependência do trigo importado, que havia sido reduzida para menos de 50% do consumo, vai aumentar para 70%. Resultado: aumentará o preço do pão e do macarrão. Aliás, já aumentou.
Mas vai subir mais ainda, pois, no mercado internacional, o trigo está escasso, distante e caro. Situação semelhante ocorre com o arroz. Os estoques mundiais estão baixos, e a safra colhida retraiu 12,9%. Motivo? Má remuneração do arrozeiro.
Se o presidente Lula fosse hoje ao supermercado, veria que o Tio João, que de bobo não tem nada, reajustou o preço de seu arroz. O pacote de 5 kg, tipo referência, custa agora R$ 7. Só resta torcer para o feijão se acalmar.
Senão, vem aí carestia brava. A carne, depreciada nos últimos quatro anos, está rapidamente recuperando preços. Nos últimos 45 dias, o preço da carne bovina subiu perto de 20%. Melhor dizendo, o bife não cresceu, apenas recupera o terreno perdido. É fácil explicar o fenômeno: durante o período de vacas magras, ocorreu forte matança de fêmeas. Na seqüência, bezerros escassearam. Hoje, falta boi gordo no mercado. Culpa de quem?
Não há nenhuma vantagem para a sociedade em garantir comida barata massacrando o produtor rural. Os pobres gostam, até votam mais facilmente, mas o descaso com a agropecuária faz cair a segurança alimentar da nação. O bumerangue rural surge, ameaçador, e o sonho vira pesadelo. Ensina a economia rural que esse efeito de preço somente não seria prejudicial se adviesse de aumentos de produtividade na roça, no processamento ou na distribuição dos produtos. Isso aconteceria, conforme de fato se verificou nos últimos 40 anos, com uso de melhor tecnologia e logística. Nesses casos, pode favorecer a ambos -produtor e consumidor. Fora disso, é como uma gangorra. Melhora para um, piora para o outro.
A democracia exige aprendizado. Utilizar-se do baixo preço dos alimentos para ajudar a vencer eleições é sempre tentador. No caso do governo Lula, parece ter havido um erro de cálculo, talvez cometido pelos mesmos estrategistas que elaboram seus malditos dossiês. Na reta final das eleições, os alimentos pressionam fortemente o custo de vida. A amarra dos preços está arrebentando. Vai criar grande dor de cabeça aos donos do poder.
Tomara que seja a última vez que um governo trata com desdém seus agricultores. Nunca vale a pena matar as galinhas dos ovos de ouro. Vira herança maldita.


FRANCISCO GRAZIANO NETO, o Xico Graziano, é engenheiro agrônomo, deputado federal pelo PSDB-SP, consultor de empresas e presidente da ONG Agra-Brasil. Foi presidente do Incra (1995) e chefe do gabinete pessoal da Presidência da República (governo FHC).

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