São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Teatro mambembe

No caso do tucanoduto, repetem-se ingredientes e personagens da farsa representada à exaustão pelos mensaleiros do PT

DENÚNCIA não é culpa, afirmou o ministro Walfrido dos Mares Guia, precavendo-se desde já da possibilidade de ser citado pelo procurador-geral da República por seu envolvimento no chamado "mensalão mineiro". Frases como esta têm sido tão comuns na vida política brasileira que seria o caso de algum parlamentar mais ousado propor que seja adotada no lugar do velho mote de "ordem e progresso" inscrito em nossa bandeira.
A tese chegou a ser exportada pelo presidente da República ao delicado cenário das relações internacionais: o Irã, cujo programa de enriquecimento nuclear inspira justificadas preocupações nas democracias ocidentais, "não cometeu nenhum crime até agora", declarou Lula em sua passagem por Nova York.
Sendo atualmente escassa, nas hostes presidenciais, a quantidade de xiitas -este o nome que ganhavam, em outros tempos, os petistas mais extremados-, quem sabe Mahmoud Ahmadinejad não poderia constar, tão variáveis costumam ser as vicissitudes da política brasileira, como um nome indicado para substituir o próximo ministro a ser afastado pelos escândalos em que se enredou.
Não se estranhe o tom humorístico da cogitação: é que, sem contar o seu potencial destrutivo sobre as instituições, assume aspectos de comicidade grotesca o espetáculo encenado pelos políticos brasileiros, tanto no governo quanto na oposição. A farsa se desenrola em vários capítulos, é farta em personagens e abusa dos mesmos ingredientes.
Há, por exemplo, o amigo pronto a emprestar altas quantias, que nunca serão devolvidas, a candidatos e partidos. Walfrido dos Mares Guia é quem hoje encarna esse papel: admitiu ter assumido uma dívida de R$ 511 mil, correspondente a um déficit no caixa dois na campanha do tucano Eduardo Azeredo à reeleição para o governo de Minas.
Ex-presidente do PSDB, Azeredo apresenta-se no palco como o "homem de bem": assim o qualifica seu correligionário Aécio Neves, num ambiente em que a prática do caixa dois funciona como um atestado de moralidade pública, diante das irregularidades mais graves que é preciso ocultar.
O desafinado e roufenho coral tucano entoa, nos intervalos da opereta, a mesma canção que tanta vaia e alarido produziu ao ser ensaiada pelo PT: não há "mensalão", não há corruptos, não há evidências, e de tudo o que se fez, ninguém sabia de nada; logo, ninguém será punido.
A comédia não dispensa a personagem de um factótum, inventivo, veloz e expedito; é talvez o mais experiente ator de todas as trupes, e atende pelo nome de Marcos Valério. Há um banco, de onde vêm os empréstimos; e há a Viúva, única personagem digna de comiseração em todo o espetáculo, que paga pelos contratos superfaturados que possibilitaram toda a produção.
Tucanos e petistas trocam acusações pelos fiascos sucessivos, a despeito do entrecho semelhante e de alguns personagens em comum. Cai o pano: "Denúncia não é culpa", pode-se ler em letras bordadas. Não cobre a contento, todavia, todos os participantes da farsa.


Próximo Texto: Editoriais: Irresponsabilidade no ar

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.