São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

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Editoriais

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Do pânico à política

Ação do Congresso no projeto de Bush de ajuda financeira mostra que crise não justifica abrir mão de rito democrático

NÃO SERIA fácil, em nenhuma circunstância, aprovar no Congresso americano o plano do governo Bush de salvação econômica. A Casa Branca pede aos legisladores que autorizem um gasto extraordinário de US$ 700 bilhões. O secretário do Tesouro teria total liberdade para fixar os critérios do repasse desse dinheiro a instituições financeiras privadas em sérias dificuldades. As decisões não estariam sujeitas a contestação judicial.
A bomba financeira e a solicitação de poder demiúrgico pelo Executivo -incompatível com a tradição de freios e contrapesos que vigora nos EUA há mais de 200 anos- coincidiram com a reta final de uma eleição geral. No dia 4 de novembro, estarão em disputa a Casa Branca, a Câmara dos Representantes (deputados federais), 1/3 do Senado e 11 governos estaduais.
Não espanta, portanto, que a votação do pacote tenha entrado num impasse na quinta-feira -e que a rebeldia contra um acordo, que pareceu a caminho no início do dia, tenha partido da Casa dos deputados, cujos 435 assentos estarão em jogo. A minoria republicana alegou dificuldades para convencer suas bases eleitorais de que mobilizar US$ 700 bilhões de dinheiro do contribuinte é mesmo a melhor solução para aplacar uma crise privada.
Em paralelo, outras modificações importantes no pacote, pela ação da maioria democrata, eram negociadas com o governo Bush. O partido de Barack Obama defende que o governo tenha mecanismos para capturar parte dos lucros das instituições financeiras que tomarem recursos públicos -no caso de elas se recuperarem mais à frente. A proposta, aparentemente aceita pela Casa Branca, é que o governo se torne acionista dessas empresas em troca da ajuda financeira.
A adoção de um mecanismo de supervisão -um comitê independente que fiscalizaria as decisões do Tesouro-, a imposição de um limite à remuneração dos executivos de instituições socorridas e um auxílio aos mutuários ameaçados de perder a casa também estão em negociação. Todas essas emendas, se efetivadas, vão melhorar a proposta original, no sentido de dotá-la de mais controle, eficiência e abrangência.
Não se sabe se o pacote que surgir desse debate será suficiente para interromper o curso da derrocada em cadeia de bancos e financeiras. Mas a intervenção do Congresso americano dá o bom exemplo de que, mesmo em crises agudas, que exigem reação imediata, os rituais da democracia não podem ser abandonados.


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