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Editoriais
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Confusão de papéis
A
ESPIONAGEM contra ministros da mais alta corte brasileira era tratada como
fato em conversas de corredor na
capital federal. Na falta de comprovação pública da gravíssima
suspeita, a grande maioria da população estava privada do direito
a essa informação. Restrito aos
gabinetes, o tema não ganhava o
destaque que merecia na agenda
das autoridades eleitas.
A divulgação, pela revista "Veja", de uma conversa entre o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres
(DEM-GO) alterou radicalmente o quadro. Ressalte-se: apenas
a publicação do teor de um diálogo gravado ilegalmente pôde libertar das sombras um assunto
de notório interesse público.
O exemplo é bastante didático
em relação ao papel que cabe à
imprensa, numa sociedade livre,
de quebrar pactos de silêncio e
democratizar a informação sempre que estiver diante de um fato
de interesse público. Nesses casos, o direito dos cidadãos à informação prevalece sobre outras
garantias constitucionais ou legais. Se o teor de uma escuta telefônica ilegal é verídico e relevante, então deve ser publicado.
Sem essa garantia ao jornalismo -na Carta reforçada pela
prerrogativa de não revelar a
identidade da fonte da notícia-,
o acesso coletivo à verdade estaria prejudicado no país. O controle público do poder e dos poderosos, que tendem a distorcer,
dissimular e ocultar informações, ficaria comprometido.
Por isso é preciso repudiar a
mais recente tentativa do governo federal de constranger o livre
exercício do jornalismo. O ardil
veio na forma de uma traficância
no projeto de lei que busca, corretamente, aumentar o rigor legal contra a disseminação descontrolada das escutas telefônicas, legais e ilegais, no Brasil.
Mas o projeto sai do curso
quando pretende criminalizar a
utilização de grampos "para fins
diversos dos previstos em lei". A
redação genérica é uma brecha
óbvia para ameaçar veículos e
profissionais de jornalismo.
Abusos cometidos pela imprensa já estão sujeitos a sanção
no Código Penal. A tentativa de
criar uma nova figura, específica
para grampos, mal oculta as digitais de quem ainda não se habituou à vigilância democrática e
deseja reinar sozinho.
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