São Paulo, sábado, 27 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Confusão de papéis

A ESPIONAGEM contra ministros da mais alta corte brasileira era tratada como fato em conversas de corredor na capital federal. Na falta de comprovação pública da gravíssima suspeita, a grande maioria da população estava privada do direito a essa informação. Restrito aos gabinetes, o tema não ganhava o destaque que merecia na agenda das autoridades eleitas.
A divulgação, pela revista "Veja", de uma conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) alterou radicalmente o quadro. Ressalte-se: apenas a publicação do teor de um diálogo gravado ilegalmente pôde libertar das sombras um assunto de notório interesse público.
O exemplo é bastante didático em relação ao papel que cabe à imprensa, numa sociedade livre, de quebrar pactos de silêncio e democratizar a informação sempre que estiver diante de um fato de interesse público. Nesses casos, o direito dos cidadãos à informação prevalece sobre outras garantias constitucionais ou legais. Se o teor de uma escuta telefônica ilegal é verídico e relevante, então deve ser publicado.
Sem essa garantia ao jornalismo -na Carta reforçada pela prerrogativa de não revelar a identidade da fonte da notícia-, o acesso coletivo à verdade estaria prejudicado no país. O controle público do poder e dos poderosos, que tendem a distorcer, dissimular e ocultar informações, ficaria comprometido.
Por isso é preciso repudiar a mais recente tentativa do governo federal de constranger o livre exercício do jornalismo. O ardil veio na forma de uma traficância no projeto de lei que busca, corretamente, aumentar o rigor legal contra a disseminação descontrolada das escutas telefônicas, legais e ilegais, no Brasil.
Mas o projeto sai do curso quando pretende criminalizar a utilização de grampos "para fins diversos dos previstos em lei". A redação genérica é uma brecha óbvia para ameaçar veículos e profissionais de jornalismo.
Abusos cometidos pela imprensa já estão sujeitos a sanção no Código Penal. A tentativa de criar uma nova figura, específica para grampos, mal oculta as digitais de quem ainda não se habituou à vigilância democrática e deseja reinar sozinho.


Texto Anterior: Editoriais: Do pânico à política
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Os gatos gordos e o futuro
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.