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GUSTAVO FRANCO
O "subprime" brasileiro
VEZ POR OUTRA surge a dúvida sobre se algo parecido
com a hipoteca "subprime",
a vilã da crise que se vive nos EUA,
não poderia acontecer no Brasil. A
resposta é simples: já aconteceu,
não faz muito tempo, e o nome da
coisa era FCVS.
Diferentemente dos EUA, onde a
regulação vem depois da inovação,
no Brasil tudo acontece ao mesmo
tempo, sob a égide das políticas de
governo. Lá nos EUA, diz-se que a
inovação, sem a devida regulação,
produziu excessos. Em nosso caso,
foi a regulação desregrada, capturada pela política, que produziu o
FCVS.
Foi o governo que criou o Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), no âmbito do qual, para
simplificar uma longa história, recursos públicos eram emprestados
a bancos, que repassavam os empréstimos aos mutuários. Com o
tempo, descobriu-se que o governo
poderia fazer um "agrado" aos mutuários diminuindo a correção monetária dos financiamentos, mas
sem modificar da mesma forma o
que se cobrava dos bancos. A instrução dada aos bancos era a de tratar o prejuízo gerado pela diferença
como um crédito contra uma nebulosa entidade do governo denominada Fundo de Compensação de
Variações Salariais (FCVS).
O FCVS era, portanto, uma "dívida" do Tesouro correspondente a
subsídios dados aos mutuários na
forma de subindexação de suas
prestações, que, em muitos casos,
as reduziu a valores tão baixos que
a cobrança era mais cara do que a
parcela.
Esse "lixo tóxico", curiosamente,
não produziu maiores dificuldades
nos bancos no momento em que a
"mordida" foi acontecendo, porque a inflação ou compensava ou
ocultava o problema. Mas, em
1994, com o Real, veio a dura realidade: o Brasil tinha um sério problema bancário, uma crise latente,
prestes a se tornar uma tragédia, e
que foi evitada com algumas dezenas de intervenções em bancos.
O diagnóstico era simples: o sistema estava subcapitalizado e não
havia como dissociar este problema do fato de os prejuízos provocados pelo FCVS terem consumido
capital do sistema num montante
difícil de estimar. Quando o governo se dispôs, posteriormente, a reconhecer e a pagar, num prazo de
30 anos, um pedaço dessa conta,
esse tanto foi estimado em algo como R$ 35 bilhões.
Pois bem, esse dinheiro, em
1994, talvez fosse a exata diferença
entre a crise e a fartura. Como são
hoje os US$ 700 bilhões do secretário Paulson, de que tanto se fala.
Sim, tivemos o nosso "subprime",
mas ele não foi causado pela falta
de limites regulatórios à ganância
privada, e sim pela própria regulação, uma vez capturada pela ganância política.
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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