São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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ALCINO LEITE NETO

Ilustrada, 50

HÁ 50 ANOS era lançado o primeiro caderno cultural da Folha. Chamava-se "Folha Ilustrada" e, na idéia do então proprietário do jornal, José Nabantino Ramos, serviria para "evitar que os homens se apoderassem do jornal e as mulheres ficassem de mãos abanando, sem nada para ler", como escreve o jornalista Marcos Augusto Gonçalves no ótimo livro "Pós-Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada".
Não foi o que ocorreu. Quando a Folha passou ao comando de Octavio Frias de Oliveira, a Ilustrada deixou de ser mero espaço de entretenimento feminino e tornou-se uma das principais arenas do debate cultural no país. Graças a uma brigada de jornalistas inquietos, conquistou lugar de honra na história da imprensa brasileira.
Na década de 1980, o caderno exerceu sobre os jovens uma influência impressionante. Foi um período de grande transformação, com o fim da ditadura. A Ilustrada se alinhava com o novo tempo da democracia, exibindo uma liberdade intelectual e moral raras vezes vistas no jornalismo do país.
No auge da euforia, porém, a Ilustrada começou a cultivar a sua própria contradição: um conjunto de regras passou a dominar o caderno, no intuito de alinhá-lo com padrões jornalísticos respeitáveis e domar o seu "caos criativo". Boas coisas foram introduzidas: mais rigor na investigação jornalística, mais correção na transmissão de informações e mais atenção à pluralidade de opiniões. Mas as novidades também acabaram levando embora o que constituía a alma do caderno: a energia intelectual, a espontaneidade, o humor, a rebeldia e o experimentalismo editorial.
Naturalmente, o país e o planeta estavam em mudança, bem como os leitores e os jornalistas -sem falar na indústria cultural. Mais tarde, todo o conjunto da mídia se transformaria com a internet.
Hoje, não é só o passado glorioso que pesa sobre a Ilustrada, mas ainda o futuro -cheio de incertezas para a imprensa. Hesitante entre a nostalgia e a ficção científica, o jornalismo cultural vai perdendo a intensidade do presente e a vontade de intervenção na atualidade.
Enquanto isso, acumulam-se muitas e urgentes tarefas: desafiar as regras e o poder da indústria do entretenimento, que passou a exercer um domínio sufocante sobre a pauta dos cadernos; submeter os novos mitos e negócios da cultura à investigação jornalística; restabelecer o valor intelectual e polêmico da crítica contra a opinião impressionística que prolifera na internet; desfazer-se da burocracia e da sensação de que tudo já foi feito, retomando o entusiasmo pelo debate; e, sobretudo, recuperar o gosto pela liberdade -este combustível que permite ao jornalismo cultural criar e destruir valores e inflamar a opinião pública.

ALCINO LEITE NETO é editor de Moda e foi editor da Ilustrada.



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