|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALCINO LEITE NETO
Ilustrada, 50
HÁ 50 ANOS era lançado o
primeiro caderno cultural
da Folha. Chamava-se "Folha Ilustrada" e, na idéia do então
proprietário do jornal, José Nabantino Ramos, serviria para "evitar que os homens se apoderassem
do jornal e as mulheres ficassem
de mãos abanando, sem nada para
ler", como escreve o jornalista
Marcos Augusto Gonçalves no ótimo livro "Pós-Tudo - 50 Anos de
Cultura na Ilustrada".
Não foi o que ocorreu. Quando a
Folha passou ao comando de Octavio Frias de Oliveira, a Ilustrada
deixou de ser mero espaço de entretenimento feminino e tornou-se uma das principais arenas do
debate cultural no país. Graças a
uma brigada de jornalistas inquietos, conquistou lugar de honra na
história da imprensa brasileira.
Na década de 1980, o caderno
exerceu sobre os jovens uma influência impressionante. Foi um
período de grande transformação,
com o fim da ditadura. A Ilustrada
se alinhava com o novo tempo da
democracia, exibindo uma liberdade intelectual e moral raras vezes
vistas no jornalismo do país.
No auge da euforia, porém, a
Ilustrada começou a cultivar a sua
própria contradição: um conjunto
de regras passou a dominar o caderno, no intuito de alinhá-lo com
padrões jornalísticos respeitáveis e
domar o seu "caos criativo". Boas
coisas foram introduzidas: mais rigor na investigação jornalística,
mais correção na transmissão de
informações e mais atenção à pluralidade de opiniões. Mas as novidades também acabaram levando
embora o que constituía a alma do
caderno: a energia intelectual, a espontaneidade, o humor, a rebeldia
e o experimentalismo editorial.
Naturalmente, o país e o planeta
estavam em mudança, bem como
os leitores e os jornalistas -sem falar na indústria cultural. Mais tarde, todo o conjunto da mídia se
transformaria com a internet.
Hoje, não é só o passado glorioso
que pesa sobre a Ilustrada, mas
ainda o futuro -cheio de incertezas para a imprensa. Hesitante entre a nostalgia e a ficção científica,
o jornalismo cultural vai perdendo
a intensidade do presente e a vontade de intervenção na atualidade.
Enquanto isso, acumulam-se
muitas e urgentes tarefas: desafiar
as regras e o poder da indústria do
entretenimento, que passou a
exercer um domínio sufocante sobre a pauta dos cadernos; submeter os novos mitos e negócios da
cultura à investigação jornalística;
restabelecer o valor intelectual e
polêmico da crítica contra a opinião impressionística que prolifera
na internet; desfazer-se da burocracia e da sensação de que tudo já
foi feito, retomando o entusiasmo
pelo debate; e, sobretudo, recuperar o gosto pela liberdade -este
combustível que permite ao jornalismo cultural criar e destruir valores e inflamar a opinião pública.
ALCINO LEITE NETO é editor de Moda e foi editor
da Ilustrada.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Antes que o ano acabe Próximo Texto: Frases
Índice
|