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CARLOS HEITOR CONY
Antes que o ano acabe
RIO DE JANEIRO - O ano dedicado ao centenário da morte de Machado de Assis está chegando ao fim
e até agora pouco ou nada me manifestei a respeito. Colegas da ABL,
embora cordialmente, criticam-me
pelo fato de não ter engrossado a
onda que se formou para louvar o
autor de "Quincas Borba", que é o
meu romance preferido, não apenas na obra do mestre mas em toda
a literatura nacional. Gosto não se
discute -diz o vulgo.
Tirante um longo texto que escrevi para a edição comemorativa
do Instituto Moreira Salles ("Cadernos da Literatura Brasileira", nº
23/ 24), nada fiz para louvar o mestre. Pelo contrário, dei algumas entrevistas declarando que Lima Barreto, como romancista, era superior
a Machado, embora Machado seja,
de longe, o nosso maior escritor.
Na maioria das matérias sobre
"Dom Casmurro", que ficou sendo a
principal referência machadiana,
cansei de ouvir teorias sobre o adultério de Capitu e a repetição infindável de seus "olhos oblíquos e
dissimulados".
O curioso é que a descrição do
olhar da menina Capitu não é de
Bentinho, seu namorado e mais tarde marido. É do agregado José Dias,
um paspalhão esboçado pelo próprio Bentinho, que seria incapaz de
observação tão sutil. É evidente
que, depois de atribuir ao personagem mais ridículo da história a mais
famosa definição de um olhar na literatura universal, o próprio Bentinho dela se apossa, acrescentando
que os olhos de Capitu eram de
ressaca.
Li não sei onde que o primeiro título que Machado daria ao romance
seria "A Ressaca". No primeiro capítulo, Bentinho promete que durante a narrativa, se arranjasse título melhor, ele desistiria do "Dom
Casmurro". Terminou mantendo-o, preferindo definir o personagem
que conduz a ação, e não o pormenor que criou o drama principal.
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