São Paulo, quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

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IGOR GIELOW

Apocalípticos e integrados

BRASÍLIA - O maniqueísmo é um traço perene da humanidade, fazendo companhia à compaixão e à crueldade, por mais que seja açoitado por sistemas filosóficos aqui e ali. De que adiantaram contra ele todas as cabalas, os iluminismos, os tratados alquímicos, toda uma Era da Razão? Pouco, e ganhamos de brinde bastardos desses movimentos, como o obscurantismo religioso e o materialismo histórico.
Com isso, avançamos a primeira década do novo século montados sobre os cadáveres que o "se não está comigo, é contra mim" nos legou.
Ou somos partidários da "guerra ao terror", ou defendemos o multiculturalismo e a soberania dos povos. Só que a primeira posição pode significar tanto a defesa de algum dos melhores valores que o homem concebeu quanto aplaudir Abu Ghraib. E apoiar a segunda leva tanto à crença na diversidade do processo histórico quanto à elegia do Taleban. O cinza não é bem-vindo ao debate, e o que se vê é a redução do mundo aos prós e contras.
A Europa federal é para uns um polvo kafkiano emanando tentáculos burocráticos de Bruxelas para cada instância da vida civil; para outros, um manancial de civilização com euros suficientes para pagar os eventuais estragos. Putin é o salvador da Rússia ou uma espécie de anticristo. A China, um monstro ou um modelo. Os EUA, o império decadente ou o farol do mundo.
E o Brasil? Como grandes questões passam só de raspão por aqui, nos contentamos com uma versão comezinha do maniqueísmo: ou somos lulistas, ou não o somos. Ser leva a acreditar que "nunca antes na história deste país" estivemos tão bem. Não ser significa negação sistemática de eventuais méritos. Lula ou é visto como um parvo, ou como "nosso guia".
Tentar achar o meio-termo, que costuma ser a medida ideal, é um esforço quase inútil. O consolo residual é que miséria gosta de companhia: não estamos sós.

igielow@folhasp.com.br


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