São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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RUY CASTRO

Cantando baixinho

RIO DE JANEIRO - Page Cavanaugh, o pianista, cantor e arranjador americano que morreu esta semana em Los Angeles, aos 86 anos, pode nunca ter sabido que, por volta de 1950, no Rio, seus discos eram ouvidos com paixão por rapazes que, um dia, ajudariam a criar a... bossa nova. E, se alguém lhe falou disso, Cavanaugh levou um susto.
O susto talvez se devesse à idéia de que alguém o escutasse fora dos EUA. Não que fosse tão obscuro -afinal, entre 1946 e 1952, seu conjunto, o Page Cavanaugh Trio, acompanhou Frank Sinatra em discos e tocou e cantou com Doris Day em três filmes de sucesso: "Romance em Alto Mar" (1948), "No, no, Nanette" (1950) e "Rouxinol da Broadway" (1952).
Na época, Cavanaugh, piano, Al Viola, violão, e Lloyd Pratt, contrabaixo, todos também cantando, eram o que havia de moderno na música popular. Os três literalmente sussurravam ao microfone. Aliás, o moderno estava nisto: cantar o mais baixinho possível, com uma absurda (e deliciosa) variedade de harmonias e divisões. Seus discos, importados, sideravam um grupo de jovens do Rio que queriam ser os seus equivalentes em português: o conjunto vocal Garotos da Lua.
O fato de que grandes nomes da bossa nova, como Roberto Menescal, Nara Leão, Baden Powell ou Marcos Valle, nunca souberam do Page Cavanaugh Trio não altera nada. Tom Jobim, João Donato, Johnny Alf e João Gilberto sabiam.
Em 1950, João Gilberto substituiu o crooner Jonas Silva nos Garotos da Lua. Com isso, herdou o repertório deles, que continha versões de Haroldo Barbosa para pelo menos dois definitivos arranjos de Page: "The Three Bears" ("Os Três Ursinhos") e "All of Me" ("Ai de Mim"). A mesma "Ai de Mim" que JG canta até hoje, só que ainda mais baixinho do que o próprio Page Cavanaugh jamais cantou.


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