São Paulo, segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

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Caciquismo político

Uso político das emissoras de rádio e TV tornou-se triste rotina entre governantes e parlamentares brasileiros

FALTA MUITO para chegar a uma situação como a da Venezuela -país em que o presidente Hugo Chávez ocupa como bem entende a programação televisiva. No varejo das transmissões locais, entretanto, o Brasil acumula um preocupante histórico de promiscuidade entre o caciquismo político e o uso dos meios eletrônicos de comunicação. Seja pelo componente bizarro de que se revestem, seja por sua solar desfaçatez, dois episódios recentes merecem destaque nesse quadro.
Sintonizemos nossas atenções, primeiramente, na cidade de Barbacena (MG). Sua principal estação de rádio trata com especial carinho o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Seria "como uma assessoria de imprensa paralela", explicou o diretor de jornalismo da emissora.
Hélio Costa era sócio majoritário da "Sucesso FM" quando foi convidado para o ministério. Contornando o evidente conflito de interesse, vendeu sua participação na rádio. Esta passou às mãos de ninguém menos que o chefe-de-gabinete do ministro. Pouco resta a ser dito, ou ouvido, após tão elementar truque de ventriloquismo político.
Os ânimos estão mais acirrados em Curitiba. Depois de ter usado seguidamente a TV Educativa do Estado para criticar seus adversários políticos, o governador Roberto Requião entrou em conflito com a Justiça.
Decisão judicial obrigava a TV Educativa a divulgar uma nota criticando Requião pela sua recusa em refrear o uso partidário que vinha fazendo de uma emissora pública. Dizendo-se "censurado", o governador tirou a TV Educativa do ar.
Não se sabe se receberá cumprimentos de Hugo Chávez pela proeza. Ainda que atrabiliária, a atitude de Requião compactua com um fenômeno bem mais amplo, que vai da malversação de verbas publicitárias ao uso de estações de rádio e TV como se fossem cartórios para os ocupantes do poder.
Diversos levantamentos realizados no Congresso revelam a expressiva proporção dos deputados e senadores que, graças a negócios de família ou ao subterfúgio cada vez mais notório dos "laranjas", terminam controlando, na prática, emissoras de rádio e TV em seus redutos eleitorais.
Não é preciso enfatizar o quanto se agravam, com isso, os riscos de partidarismo na informação, de falta de isonomia na disputa política e de perpetuação das oligarquias regionais.
O julgamento dos abusos cometidos depende, naturalmente, de uma análise caso a caso, e da obtenção de um equilíbrio entre os princípios da liberdade de expressão, o respeito à iniciativa privada e o aprimoramento dos meios democráticos à disposição da sociedade para fiscalizar a atuação das emissoras.
Enquanto isso, sem nenhum Hugo Chávez, mas com seus próprios bufões, coronéis e caciques, o atraso político se combina com a moderna comunicação de massas de Norte a Sul do país.


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