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ANTONIO DELFIM NETTO
Por que Keynes?
OS ECONOMISTAS dão o nome de "bem público" aos
bens ou serviços que gozam
de duas propriedades: 1) ninguém
pode ser excluído de seu uso e 2) o
uso que cada um faz dele não diminui a quantidade disponível para os
outros, como é o caso, por exemplo,
da defesa nacional.
Existem pessoas cujo pensamento tem um vigor e uma originalidade (mas não clareza) que gozam das propriedades dos bens públicos: transformam-se em instituições. Alguns economistas de várias tribos (esta expressão já está
na "Riqueza das Nações"), Adam
Smith (1723-1790), Karl Marx
(1819-1883), Leon Walras (1834-1910), Alfred Marshall (1842-1924)
e John Maynard Keynes (1883-1946), assumiram esse "status".
Existe um Smith, um Marx, um
Walras, um Marshall e um Keynes
para cada um de nós. Seus pensamentos são tão vigorosos e originais que depois de nos atingirem
nunca mais nos livramos completamente deles. Felizmente não são
claros. É essa ambiguidade que
permite que cada um deles possa
ser o "nosso" sem que isso impeça
que seja também dos "outros", cada um à sua maneira.
Nenhum deles produziu uma
"explicação" definitiva do "universo econômico". Todos, entretanto,
viram alguns aspectos fundamentais da vida econômica (e de sua influência sobre a condição humana)
que um dia, talvez, integrarão uma
compreensão da contínua e crescente complexidade que a domina.
É por isso que hoje todos podemos
ser um pouco smithianos, marxistas, walrasianos, marshallianos e
keynesianos, sem arrependimento, sem vexame e sem contradição.
O que parece inegável é que a crise que estamos vivendo, produzida
pela maléfica "autonomização" do
sistema financeiro, encontra a sua
melhor explicação em Keynes. Afinal isso não deveria ser surpresa:
ele enxergou mais longe porque subiu nos ombros dos antecessores
que, às vezes, finge ignorar. Com a
sua teoria monetária da produção,
ele colocou a moeda, o crédito, a
demanda e a incerteza no coração
do sistema. Os macroeconomistas,
em lugar de continuarem a cultivar
uma teoria monetária obviamente
estéril, e os economistas "financeiros", em lugar de procurarem distribuições "gordas" para justificar
os "desastres" nos preços dos ativos, deveriam procurar desenvolver a intuição keynesiana sobre como funciona a economia tocada a
crédito quando o futuro é rigorosamente opaco e imprevisível.
É hora de aceitar que entre os
modelos de equilíbrio geral (que
fazem a "ciência" de alguns de nossos bons economistas) e a economia monetária da produção existe
distância intransponível. Naqueles, a moeda e o crédito sempre serão fatores essencialmente estranhos.
contatodelfimnetto@uol.com.br
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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