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Soluçam febris os violinos
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Era gordo, alto, parecia um português de baixa origem
que fizera dinheiro vendendo cereais
na rua Acre. O bigode não era farto
como o dos lusitanos que torcem pelo
Vasco: era um meio-termo entre os bigodes de Carlitos e Hitler. Vestia-se
bem, usava chapéu, o que fazia seu
vulto maior e mais respeitável.
Rico, não precisava trabalhar, daí
que se tornou crítico de livros e teatro,
era generoso com os estreantes e severo com os medalhões. Foi candidato à
Academia, com a inacreditável marca
de um voto nas três vezes em que tentou a imortalidade.
Publicou livros em todos os gêneros
existentes e outros a existir -no que
seria um criador poundiano, uma vez
que abria um caminho novo para a
arte literária. Para incrementar sua
terceira candidatura àquilo que ele
chamava de "nobre sodalício", escreveu um formidável poema em versos
brancos intitulado "A Dogaressa".
Para quem não sabe, dogaressa era a
mulher do doge de Veneza. Casava-se
no bucentauro, que apesar do feio nome não era nada indecente, apenas a
imensa gôndola nupcial dos doges. O
poema baseava-se num sonho, e o autor se justificava com o precedente de
Dante, cujo poema não passou de um
sonho.
Levado por ninfas e centauros, o
poeta -que morava na rua Barata
Ribeiro- transportava-se ao palácio
ducal e ali assistia as magníficas bodas, com direito inclusive de viajar no
já citado bucentauro.
Li, encantado, o poema que ele me
mandou com gentil dedicatória, chamando-me de "ilustre". Guardei o
clima geral da coisa e muito a apreciei. Sempre que vou a Veneza lembro
a luxuriante descrição do cortejo nupcial pelos canais da velha cidade.
Infelizmente, de todos os versos lidos
e relidos só guardei um, que volta e
meia me vem à memória distraída. O
poeta descreve o baile de máscaras
com este verso inicial: "Soluçam febris os violinos".
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