São Paulo, quinta, 28 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Soluçam febris os violinos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Era gordo, alto, parecia um português de baixa origem que fizera dinheiro vendendo cereais na rua Acre. O bigode não era farto como o dos lusitanos que torcem pelo Vasco: era um meio-termo entre os bigodes de Carlitos e Hitler. Vestia-se bem, usava chapéu, o que fazia seu vulto maior e mais respeitável.
Rico, não precisava trabalhar, daí que se tornou crítico de livros e teatro, era generoso com os estreantes e severo com os medalhões. Foi candidato à Academia, com a inacreditável marca de um voto nas três vezes em que tentou a imortalidade.
Publicou livros em todos os gêneros existentes e outros a existir -no que seria um criador poundiano, uma vez que abria um caminho novo para a arte literária. Para incrementar sua terceira candidatura àquilo que ele chamava de "nobre sodalício", escreveu um formidável poema em versos brancos intitulado "A Dogaressa".
Para quem não sabe, dogaressa era a mulher do doge de Veneza. Casava-se no bucentauro, que apesar do feio nome não era nada indecente, apenas a imensa gôndola nupcial dos doges. O poema baseava-se num sonho, e o autor se justificava com o precedente de Dante, cujo poema não passou de um sonho.
Levado por ninfas e centauros, o poeta -que morava na rua Barata Ribeiro- transportava-se ao palácio ducal e ali assistia as magníficas bodas, com direito inclusive de viajar no já citado bucentauro.
Li, encantado, o poema que ele me mandou com gentil dedicatória, chamando-me de "ilustre". Guardei o clima geral da coisa e muito a apreciei. Sempre que vou a Veneza lembro a luxuriante descrição do cortejo nupcial pelos canais da velha cidade.
Infelizmente, de todos os versos lidos e relidos só guardei um, que volta e meia me vem à memória distraída. O poeta descreve o baile de máscaras com este verso inicial: "Soluçam febris os violinos".



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.