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Cinema global
OTAVIO FRIAS FILHO
Nos marcos do que o cinema brasileiro fez até agora, "Central do Brasil" é um filme extraordinário. Pelo
padrão técnico, pela qualidade de roteiro e câmera, pelo desempenho de
Fernanda Montenegro ele é um exemplo, que a arte oferece à economia, da
"competitividade do produto nacional num mundo globalizado".
Entre seus muitos méritos -narrativa consecutiva, desfecho redentor,
doses exatas de sentimento- está o
de ser, talvez, o primeiro filme brasileiro capaz de comover às lágrimas.
Vários dos filmes da safra recente,
pós-Collor, tinham seus bons momentos. Sob a influência da publicidade, o nível técnico melhorou muito.
Mas a regularidade de nível atingida
por "Central" só tem paralelo nos
melhores filmes de Hector Babenco,
que afinal nunca deixou de ser argentino, como ilustra bem seu último trabalho. O filme de Walter Salles vem
completar a sequência de filmes dos
últimos anos, cada um ligeiramente
melhor que o anterior.
O objetivo desses filmes vinha sendo, ainda que inconscientemente, dominar a linguagem do cinema internacional no seu atual estágio técnico.
Eles retomam o "programa" do cinema brasileiro nos anos 50, que era o
de se aproximar tanto quanto possível
dos cânones do cinema americano, já
então o melhor do mundo.
A evolução "imitativa" foi interrompida brutalmente no começo dos
anos 60 pela aparição de um profeta
que escolheu o cinema como meio de
expressão: Glauber Rocha. Sob influência do cinema experimental europeu e de suas próprias visões telúricas, o cinema de Glauber era antiamericano: pobre, poético, radical e discursivo.
Em sua melhor fase, o Cinema Novo
foi um momento de afirmação, ao
mesmo tempo nacionalista e alternativa, da identidade imagética do país.
O longo período de decadência que se
seguiu, no entanto, do final dos 60 em
diante, não pode ser atribuído apenas
aos vícios do sistema de patotagem
que caracterizou a Embrafilme.
O talento mais fecundo de cineasta
que já tivemos deixou um legado de
esterilidade. Deve-se em parte a Glauber Rocha a tendência a substituir o
profissionalismo pela inspiração, o
gosto do público pelos caprichos do
diretor, a ação pelo discurso. É fácil
imaginar no que a fórmula resultou
quando aplicada por epígonos.
Nada mais justo que a expectativa de
que "Central do Brasil", depois de
todos os prêmios, ganhe o Oscar de
filme estrangeiro. Além de abrir uma
oportunidade valiosa para o cinema
brasileiro, esse reconhecimento o colocaria no centro do cinema mundial.
Significa, também, sua reassimilação
pelo cinema americano.
É como se os riscos da internacionalização na economia e na arte fossem
semelhantes, e no caso do cinema implicassem renunciar à autonomia
criativa que o Cinema Novo pretendeu. "Central", dados os seus méritos, resolve bem essa equação, mas
criou um Brasil para estrangeiro ver e
onde os brasileiros estão gostando de
se mirar.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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