São Paulo, quinta, 28 de janeiro de 1999

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Doando o Brasil


O governo reformou o ensino fundamental, mas ainda não se sabe para o que servem os Parâmetros Curriculares


JOSÉ CARLOS AZEVEDO

Não cabe ao governo federal a responsabilidade pela falência da educação pública brasileira. De fato, prometeu muito e fez pouco, mas os desacertos na educação vêm do período colonial. Se, ao assumir, não tivesse feito tantas promessas, a história apenas o colocaria ao lado de outros governos que pouco fizeram pela educação nos 109 anos desta sereníssima República.
O atual governo elegeu a educação como prioridade e equivocou-se ao optar por reformar e fazer leis. Até mudou a "Constituição cidadã" várias vezes e encomendou uma nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Tudo ficou igual. "Ouviu as bases" para constituir o CNE (Conselho Nacional de Educação) e esse órgão produziu o mais incompetente e hilariante parecer de sua história, reformando o ensino de base e prescrevendo as matérias "estética da sensibilidade", "política da igualdade" e "ética da identidade" para inocentes e indefesos alunos. Logo nem poderão vender o Brasil; só o aceitarão se for doado.
O governo reformou o ensino fundamental, mas ainda não se sabe para o que servem os "Parâmetros Curriculares Nacionais" e o Plano Nacional de Educação. Criou uma comissão de sábios para fazerem uma lista de livros, com cem títulos, para as escolas do antigo 2º grau. Nela, não há um só livro de ciência nem de matemática, como se o Brasil fosse o Reino da Carochinha, distante do progresso da ciência e da tecnologia, sem as quais seremos uma nação de néscios no próximo século. Na lista foram incluídos livros de alguns dos sábios, pagos à base de uns R$ 30 mil por cabeça.
Deixando de lado a greve que durou mais de cem dias, sem nada haver acontecido aos alunos e professores, restaram os "provões", que serão importantes apenas quando complementados, por exemplo, por avaliações das escolas, das bibliotecas e dos laboratórios. Faltou também dizer por que escolas tão ruins foram criadas pelo governo.
Que valor tem a classificação de universidades pelo número de seus mestres e doutores sem haver a norma salutar das instituições sérias no exterior, que só contratam ex-alunos depois que eles tiverem feito a pós-graduação em outra escola e sido contratados por outra? Em nossas universidades, pode-se ir de vestibulando a titular, com mestrados e doutorados na mesma instituição, sem fazer nada. Basta ter o QI de "quem indica" para ter notório saber local.
Mas o MEC, que faz tantas reformas, não tem alunos: cerca de 1% do total, em todos os níveis. Se valesse a observação de Descartes, de que Deus distribuiu o bom senso a todos os homens, isso comprovaria que o MEC é inútil, até responsável pelo descalabro educacional, que pode ser medido de mil maneiras. Bastam dois exemplos. Um aluno da Faculdade (federal) do Triângulo Mineiro (revista "Veja", 3/6/98) custa R$ 64 mil anuais ao contribuinte, mais que o dobro do que seu colega de Harvard. Outro: a educação no Estado de São Paulo não é muito melhor que a oferecida em Alagoas ou no Piauí. Lá, os professores das escolas de 1º e 2º graus têm salários vis, incompatíveis com sua importância e responsabilidades, enquanto muitos "socioloquazes" ganham dez vezes mais em universidades públicas.
Há meses, a escritora Lygia Fagundes Telles disse que os maiores educadores brasileiros eram a Xuxa e a Carla Perez. Mas surgiu agora um fato novo, de relevância transcendente para o futuro da nação, a medida educacional mais importante dos últimos decênios: o meritíssimo juiz Rodrigo Junqueira Enout, de São Paulo, mandou criar mais 315.258 vagas nas escolas estaduais paulistas, suprimidas pela Secretaria Estadual da Educação, que deve gostar tanto de alunos quanto o MEC. Se outros seguirem o exemplo do ilustre juiz, está salva a pátria.
É a velha história: no Brasil, a Justiça (que muitas vezes falha e tarda, mas, ao final, quase sempre acerta) é o que resta ao cidadão comum, indefeso diante de tecnocratas arbitrários e ignorantes que agem como se não houvesse coisas mais importantes entre o céu e terra que suas altas sabedorias, outorgadas em decretos e portarias do Poder Executivo e nunca antes reveladas.


José Carlos de Almeida Azevedo é doutor em física pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA). Foi reitor da Universidade de Brasília (UnB) de 1976 a 1985.




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