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São Paulo, sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003

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JOSÉ SARNEY

Orai pela paz

Em semana de festa, quando o Brasil tira férias e se entrega à cultura da alegria, é amargo falar da guerra. Mas é o tema recorrente que preocupa o mundo inteiro. A direta consequência da guerra é o sofrimento dos que nela estão envolvidos. Os efeitos colaterais já começaram.
Primeiro, a economia. Nada mais sujeito a consequências desagradáveis do que essa área. Adam Smith, quando escreveu a "Riqueza das Nações", confessava que nada era mais covarde do que o capital. Ao ouvir um tiro, ele foge. Os países são tão vulneráveis que, ante uma só notícia, os indicadores econômicos vão embora. O rebanho das Bolsas não atende à racionalidade.
Ninguém está mais pensando em evitar a guerra. Todos estão preocupados com as suas consequências. Albert Speer, que foi ministro dos Acampamentos de Hitler, condenado em Nuremberg à prisão perpétua, escreveu "A Glória e a Decadência". Ele, que viveu os momentos trágicos da Alemanha e participou de muitas decisões, termina seu livro com uma advertência que nunca esqueci: a Alemanha foi o primeiro Estado de grande desenvolvimento tecnológico a ser dominado por um homem só, e a tecnologia, aliada a uma vontade mórbida, pode colocar em perigo a humanidade. Chegamos perto.
Agora, uma só e grande potência, os EUA, é senhora absoluta da paz e da guerra. Seu poder é incontrastável. No encaminhamento da questão do Iraque, o presidente George W. Bush está demonstrando uma truculência e uma arrogância impossíveis de esconder. Veja-se sua reação àqueles que fazem ressalvas a suas idéias, como o tratamento dado a Chirac e à França -um, chamado de verme e a outra, de covarde.
De que eles vão à guerra não há mais dúvida. Não é para fazer ginástica que um gigante militar se move. Júlio César não chegou à beira do Rubicão para beber água. O poderio militar dos americanos no Oriente Médio e no golfo Pérsico não está lá para olhar o que restou de Alexandria e das cidades submersas em Sidon.
O problema agora são as consequências da guerra. Uma já é visível. Bush conseguiu inverter a situação de simpatia e solidariedade do mundo inteiro motivada pelos atentados brutais de setembro de 2001. Transformou-se na imagem do arbítrio arrogante. Outra consequência é a construção de um cemitério de lideranças. Blair, esse buliçoso primeiro-ministro da Inglaterra, transformado em camelô da tragédia, teve sua popularidade desmanchada como cera aquecida; Aznar, da Espanha, liderança em ascensão, está em queda livre; Berlusconi é um caso à parte; Adbullah Gül, da Turquia, também perde prestígio. Todos com a carreira política marcada pela subserviência e pelo medo. À proporção que a pressão americana aumentar, o cemitério aumentará.
A economia começou a entrar em recessão. Paralisaram-se os negócios, os investimentos caem e todo o capital se refugia na casamata, em busca de segurança. O Brasil está agora ameaçado mais ainda pela crise que vem da guerra. O petróleo chegou, ontem, a 40 dólares o barril! O presidente Lula, que recebeu uma difícil situação para administrar, tem uma dificuldade adicional: não pode gemer e tem de sofrer calado e de conviver com esta nova situação mundial.
O pior de tudo é que a guerra tem consequências que se antecipam à deflagração de hostilidades militares -e feridas não têm horizonte para cicatrizar. Vamos ter, no mínimo, uma década para pagar a decisão de Bush pelas armas. É a decisão do império.
Resta recorrer ao Salmo 122, 6: Orai pela paz!


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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