|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Orai pela paz
Em semana de festa, quando o
Brasil tira férias e se entrega à cultura da alegria, é amargo falar da guerra. Mas é o tema recorrente que preocupa o mundo inteiro. A direta consequência da guerra é o sofrimento dos
que nela estão envolvidos. Os efeitos
colaterais já começaram.
Primeiro, a economia. Nada mais
sujeito a consequências desagradáveis
do que essa área. Adam Smith, quando escreveu a "Riqueza das Nações",
confessava que nada era mais covarde
do que o capital. Ao ouvir um tiro, ele
foge. Os países são tão vulneráveis
que, ante uma só notícia, os indicadores econômicos vão embora. O rebanho das Bolsas não atende à racionalidade.
Ninguém está mais pensando em
evitar a guerra. Todos estão preocupados com as suas consequências. Albert
Speer, que foi ministro dos Acampamentos de Hitler, condenado em Nuremberg à prisão perpétua, escreveu
"A Glória e a Decadência". Ele, que viveu os momentos trágicos da Alemanha e participou de muitas decisões,
termina seu livro com uma advertência que nunca esqueci: a Alemanha foi
o primeiro Estado de grande desenvolvimento tecnológico a ser dominado por um homem só, e a tecnologia,
aliada a uma vontade mórbida, pode
colocar em perigo a humanidade.
Chegamos perto.
Agora, uma só e grande potência, os
EUA, é senhora absoluta da paz e da
guerra. Seu poder é incontrastável. No
encaminhamento da questão do Iraque, o presidente George W. Bush está
demonstrando uma truculência e
uma arrogância impossíveis de esconder. Veja-se sua reação àqueles que fazem ressalvas a suas idéias, como o
tratamento dado a Chirac e à França
-um, chamado de verme e a outra,
de covarde.
De que eles vão à guerra não há mais
dúvida. Não é para fazer ginástica que
um gigante militar se move. Júlio César não chegou à beira do Rubicão para beber água. O poderio militar dos
americanos no Oriente Médio e no
golfo Pérsico não está lá para olhar o
que restou de Alexandria e das cidades submersas em Sidon.
O problema agora são as consequências da guerra. Uma já é visível.
Bush conseguiu inverter a situação de
simpatia e solidariedade do mundo
inteiro motivada pelos atentados brutais de setembro de 2001. Transformou-se na imagem do arbítrio arrogante. Outra consequência é a construção de um cemitério de lideranças.
Blair, esse buliçoso primeiro-ministro
da Inglaterra, transformado em camelô da tragédia, teve sua popularidade
desmanchada como cera aquecida;
Aznar, da Espanha, liderança em ascensão, está em queda livre; Berlusconi é um caso à parte; Adbullah Gül, da
Turquia, também perde prestígio. Todos com a carreira política marcada
pela subserviência e pelo medo. À
proporção que a pressão americana
aumentar, o cemitério aumentará.
A economia começou a entrar em
recessão. Paralisaram-se os negócios,
os investimentos caem e todo o capital
se refugia na casamata, em busca de
segurança. O Brasil está agora ameaçado mais ainda pela crise que vem da
guerra. O petróleo chegou, ontem, a
40 dólares o barril! O presidente Lula,
que recebeu uma difícil situação para
administrar, tem uma dificuldade adicional: não pode gemer e tem de sofrer
calado e de conviver com esta nova situação mundial.
O pior de tudo é que a guerra tem
consequências que se antecipam à deflagração de hostilidades militares -e
feridas não têm horizonte para cicatrizar. Vamos ter, no mínimo, uma década para pagar a decisão de Bush pelas
armas. É a decisão do império.
Resta recorrer ao Salmo 122, 6: Orai
pela paz!
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Falta inteligência Próximo Texto: Frases
Índice
|