São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

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Agressão hospitalar

Pesquisa mostra que gestantes são muitas vezes vítimas de atitudes grosseiras e de falta de cuidados na rede pública e também em hospitais privados

Depois das cadeias e das salas de aula, resta um recinto de repartições oficiais para a opinião pública devassar: corredores e seções de hospitais. Enfermos pobres se empilham ali e sofrem no anonimato, quando não são maltratados por funcionários e médicos assoberbados por condições de trabalho e plantões desumanos. Nem parturientes escapam.
Nada menos que 27% de mulheres que deram à luz em hospitais públicos, ouvidas em pesquisa de opinião, declararam-se vítimas de maus-tratos verbais durante o trabalho de parto. O levantamento, realizado pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, e pelo Sesc, entrevistou 2.365 habitantes do sexo feminino em 25 Estados.
A regra nos serviços de obstetrícia parece ser que a dor não autoriza as mães a chorar nem gritar. "Na hora de fazer, não chorou. Por que está chorando agora?" -reza admoestação frequente (ouvida por 14% das queixosas). Até ameaças foram feitas a 6% das pacientes: "Se gritar, eu paro agora e não a atendo mais".
Alguns abusos não se limitam a palavras e ganham a força de atos. Um décimo das entrevistadas que tiveram filhos na rede pública relataram exames de toque dolorosos, presumivelmente realizados com rudeza. Outro tanto teve meios de alívio para a dor negados -ou não oferecidos.
O padrão áspero se reproduz nos estabelecimentos privados. Em proporção menor, é verdade, pois se registram queixas similares por parte de 17% das entrevistadas; mas não menos escandaloso, da perspectiva da ética médica. Não causar danos, afinal, é um de seus primeiros preceitos.
Seria descabido concluir, diante da patente desumanidade com que o atendimento é prestado em muitos casos, que os profissionais de saúde não passam de sádicos vestidos de branco. A doença que acomete hospitais -em especial os que atendem pelo SUS- tem sua etiologia nas organizações, não nas pessoas que mal ou bem as fazem funcionar.
Sem prejuízo da responsabilização individual, que é direito do paciente e dever dos dirigentes contemplar, a saúde pública, como se sabe, está precisando de um "check-up" profundo.
São muitos os males que rondam o sistema hospitalar, do subfinanciamento do SUS à deficiência na formação de profissionais, dos preços irrisórios pagos pelos convênios por procedimentos à superexploração da mão de obra barata de residentes de medicina.
As deformações profissionais que esses problemas eventualmente geram precisam ser remediadas. Combatê-las é missão dos próprios médicos, cuja lealdade primordial se volta para o paciente. Perdendo-o de vista, é a própria medicina que se perde.


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