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Agressão hospitalar
Pesquisa mostra que gestantes são muitas vezes vítimas de atitudes grosseiras e de falta de cuidados na rede pública e também em hospitais privados
Depois das cadeias e das salas
de aula, resta um recinto de repartições oficiais para a opinião pública devassar: corredores e seções de hospitais. Enfermos pobres se empilham ali e sofrem no
anonimato, quando não são maltratados por funcionários e médicos assoberbados por condições
de trabalho e plantões desumanos. Nem parturientes escapam.
Nada menos que 27% de mulheres que deram à luz em hospitais
públicos, ouvidas em pesquisa de
opinião, declararam-se vítimas de
maus-tratos verbais durante o trabalho de parto. O levantamento,
realizado pela Fundação Perseu
Abramo, ligada ao PT, e pelo Sesc,
entrevistou 2.365 habitantes do
sexo feminino em 25 Estados.
A regra nos serviços de obstetrícia parece ser que a dor não autoriza as mães a chorar nem gritar.
"Na hora de fazer, não chorou. Por
que está chorando agora?" -reza
admoestação frequente (ouvida
por 14% das queixosas). Até
ameaças foram feitas a 6% das pacientes: "Se gritar, eu paro agora e
não a atendo mais".
Alguns abusos não se limitam a
palavras e ganham a força de atos.
Um décimo das entrevistadas que
tiveram filhos na rede pública relataram exames de toque dolorosos, presumivelmente realizados
com rudeza. Outro tanto teve
meios de alívio para a dor negados
-ou não oferecidos.
O padrão áspero se reproduz
nos estabelecimentos privados.
Em proporção menor, é verdade,
pois se registram queixas similares por parte de 17% das entrevistadas; mas não menos escandaloso, da perspectiva da ética médica. Não causar danos, afinal, é um
de seus primeiros preceitos.
Seria descabido concluir, diante da patente desumanidade com
que o atendimento é prestado em
muitos casos, que os profissionais
de saúde não passam de sádicos
vestidos de branco. A doença que
acomete hospitais -em especial
os que atendem pelo SUS- tem
sua etiologia nas organizações,
não nas pessoas que mal ou bem
as fazem funcionar.
Sem prejuízo da responsabilização individual, que é direito do
paciente e dever dos dirigentes
contemplar, a saúde pública, como se sabe, está precisando de um
"check-up" profundo.
São muitos os males que rondam o sistema hospitalar, do subfinanciamento do SUS à deficiência na formação de profissionais,
dos preços irrisórios pagos pelos
convênios por procedimentos à
superexploração da mão de obra
barata de residentes de medicina.
As deformações profissionais
que esses problemas eventualmente geram precisam ser remediadas. Combatê-las é missão dos
próprios médicos, cuja lealdade
primordial se volta para o paciente. Perdendo-o de vista, é a própria
medicina que se perde.
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