São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2001

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DIREITOS DRIBLADOS

Já se tornou um lugar-comum equiparar os mecanismos legais que extinguem o passe no futebol à Lei Áurea, que, em 1888, pôs um fim à escravidão. Infelizmente, a comparação não é exata. Seria mais justo dizer que o fim do passe, da forma como se deu, se assemelha à Lei dos Sexagenários, de 1885, que libertou os escravos com mais de 60 anos.
Os clubes de futebol conseguiram manipular as coisas para garantir que, ao menos em relação aos jovens atletas, algo bastante semelhante ao passe permaneça vigorando.
A MP que prometia acabar com o passe é uma monstruosidade jurídica que ofende até mesmo quem tem apenas noções primárias de direito. Antes de mais nada, esse instrumento legal está longe de ser o mais indicado para regular a questão.
Como se não bastasse, a MP cria a estranhíssima figura da indenização de "formação", que prevê o pagamento de multa milionária ao clube que revelou o atleta, na hipótese de rompimento do primeiro contrato. Produz, ainda, a indenização de "promoção", que dá ao clube direitos sobre o jovem atleta mesmo depois do término do contrato. Os clubes, obviamente, podem rescindir o contrato quando desejarem incorrendo apenas nas penalidades ordinárias. A inconstitucionalidade não poderia ser mais gritante.
As multas previstas, então, são escandalosas. No caso da indenização de "formação", o clube que contratar o atleta deverá pagar um montante de até 200 vezes o salário anual do jogador à instituição que o formou. A título de ilustração, é oportuno lembrar que o atleta que quisesse dispor de si mesmo teria, antes, de trabalhar 200 anos para o "empregador". Se for o caso de indenização de "promoção", bastam 150 anos.
Se isso não é uma forma bastante perversa de escravidão, fica difícil imaginar o que seja.


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