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CLÓVIS ROSSI
Dar entrevista não dói
SÃO PAULO - Só para lembrar:
quando terminava a sabatina que a
Folha fez com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na antevéspera
do segundo turno, ele disparou:
"Vou encher a paciência de vocês de
tanto dar entrevistas" (paciência
não foi o termo empregado, mas
sou obrigado a passar a limpo a linguagem presidencial).
Cinco meses depois da eleição e
três meses após a segunda posse,
Lula não cumpriu a promessa
-mais um incumprimento, aliás.
Só tem falado no que chamo de cenas de jornalismo explícito, aquele
amontado de câmeras e microfones
junto ao céu da boca do entrevistado, que raramente produzem algo
aproveitável.
Já que parece ter medo de jornalistas, sugiro ao presidente que, ao
menos, siga o modelo da Espanha.
O Canal 1 (estatal) da TV local levou
ontem ao ar o programa "Tenho
uma pergunta, senhor presidente"
(embora o regime seja parlamentarista, o chefe de governo na Espanha é chamado de presidente, não
de primeiro-ministro).
Mas as perguntas não são de jornalistas, e sim de um grupo de cidadãos selecionados por uma empresa especializada em capturar amostras representativas do conjunto da
população.
Na semana que vem, será a vez de
o líder da oposição submeter-se às
perguntas.
Sei bem que prestar contas ao público não faz parte dos usos e costumes nestes trópicos, mas não custa
relembrar que esse tipo de entrevista não dói, não mata nem torna
aleijado o entrevistado.
Aliás, contém uma segunda lição:
TV estatal pode, sim, ser pública, no
sentido de pôr no ar questionamentos tanto ao governante de turno
como ao chefe de turno da oposição. Mas não dá para esquecer que,
no Brasil, há uma fenomenal vocação para o jornalismo chapa branca,
que encontraria um anabolizante
adicional em uma TV pública (ou
estatal).
crossi@uol.com.br
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