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TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
Vestibular como anomalia?
CARLOS EDUARDO BINDI
O CONSENSO sobre a educação
pública básica, oferecida para
a maior parte da população de
nosso país, é que ela está longe de ter a
qualidade que deveria ter. Enquanto
isso, o ensino superior público vai em
sentido oposto e continua atraindo
milhares de estudantes, retendo regularmente os mais preparados.
Entre esses dois (des)níveis de ensino fica o vestibular.
Centenas de milhares de estudantes, a cada ano, procuram -por meio
do vestibular- um lugar entre as melhores vagas oferecidas. Com o poder
de recusar, por vezes, mais de 95%
dos inscritos e de proporcionar a poucos o privilégio de ter uma educação
superior gratuita e de qualidade, os
exames vestibulares ficam sob luzes
intensas dos veículos de comunicação
-sobretudo entre dezembro e março.
Assim, embora não seja propriamente um processo de natureza educacional, o vestibular se torna o mais
visível e comentado elemento do sistema de ensino. Por causa disso, muito se fala sobre as características dos
vestibulares, algumas reais, outras
apenas mitológicas.
O problema é que, prejudicando a
qualidade dos debates e decisões, em
muitos setores as características míticas ainda predominam. Apenas para
ficar nos mitos mais comuns sobre o
vestibular, temos o seguinte trio.
1) As questões de múltipla opção
não selecionam pelo conhecimento,
pois podem ser respondidas com dicas e truques ou sorte.
2) O vestibular atual pede conhecimentos desnecessários que praticamente só exigem memorização.
Os mitos um e dois levam ao mito
três: Escolas de ensino médio e cursinhos, pela influência malévola do vestibular, oferecem, no lugar de conhecimentos, dicas, truques e "decorebas" para seus alunos terem sucesso.
Cada um desses mitos não resiste
ao confronto com a realidade da seleção realizada pelos grandes vestibulares. Mas são muito bem-sucedidos
em reuniões político-acadêmicas que
não se embasam em estudos sérios.
Nos vestibulares de medicina da
Fuvest, Unicamp, Unifesp, Unesp e
UFSCar, que têm praticamente os
mesmos 10 mil candidatos, encontramos invariavelmente a coincidência
dos aprovados. Certamente isso não
se deve aos aprovados terem sido treinados com truques e dicas para cada
um desses exames. Eles mostraram,
isto sim, firmes conhecimentos básicos em todas essas avaliações a que
foram submetidos -tivessem a forma
de testes ou de questões analíticas.
O vestibular é uma das instituições
de maior credibilidade em nosso país.
Ao longo do tempo, milhões de estudantes -e não é força de expressão-
têm se submetido a esses exames de
seleção sem obter sucesso, mas sem
questionar a lisura e a transparência
do processo que os eliminou.
O estudante da escola pública de
ensino médio nunca questiona o vestibular, alegando ser ele ilícito. Ele reclama é do fato de não ter sido aprovado porque não teve acesso ao conhecimento que deveria ter sido proporcionado a ele.
Por isso, mudanças nos vestibulares não devem ser aplaudidas por serem mudanças. É fácil acusar o vestibular de problemas que não são atinentes a ele. É fácil valer-se de mitos
de trânsito comum para ver valor em
qualquer mudança. Ao contrário do
que diz o editorial desta Folha de 23
de março, o vestibular não deve ser
visto como anomalia. A má qualidade
da educação básica pública, sim.
Quanto ao ensino particular, pode-se dizer com certeza que não está sofrendo pressão para atender exigências absurdas ou indevidas do vestibular. O que o vestibular atual passa é
a necessidade de uma formação ampla em ciências e humanidades -que
não seja apenas blablablá superficial.
E sobra, sim, tempo para a escola incluir seus valores.
Quanto a valores, o vestibular tem
outro grande mérito: o de passar aos
jovens a ideia de que, no Brasil, existem processos seletivos sérios e respeitados. Isso pode não ser grande
coisa em países escandinavos. Mas,
em nosso país, é algo muito, muitíssimo raro.
O vestibular não precisa ser atacado. Precisa ser preservado.
CARLOS EDUARDO BINDI, 61, educador, é diretor do Etapa Ensino e Cultura.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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