">




São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

USP, "quousque tandem"?

JOÃO GRANDINO RODAS


O presente espaço destina-se à opinião do autor, mas gostaria que cada leitor meditasse e respondesse às interrogações que faço

HÁ CERCA de duas décadas, a USP, maior universidade brasileira e latino-americana, sofre, regularmente, bloqueios e invasões por parte de grupos internos e externos, que paralisam parcialmente suas atividades, às vezes por longos períodos.
Nos últimos anos, contudo, registra-se, de um lado, repulsa explícita por parte de seus segmentos, bem como reação por parte de sua administração, que deixou a inércia, com o intuito de coarctar tais ações.
A presente administração reitoral iniciou proclamando e implantando a era do diálogo, estabelecendo, entre outras coisas, canais diretos de contato e de transparência administrativa, sobretudo na aplicação orçamentária.
Ficou assente que a não estagnação da universidade exigia que o círculo vicioso acima descrito desse lugar a círculo virtuoso, cujo pressuposto inarredável é a renúncia ao uso da força/violência por todos os segmentos da universidade, não sendo factível, assim, um segmento continuar a usá-la ao mesmo tempo em que exige que o outro não o faça.
A resposta vem sendo boa, exceto com relação a grupos localizados. Recorde-se que, há poucos meses, um grupo discente uspiano declarou à mídia "não aceitar o diálogo para não perder a mobilização!".
Pois bem. No passado dia 18, por volta da 1h30, um grupo de cerca de 20 moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, no Butantã, composto por alunos e estranhos à universidade, decidiu ocupar, por meio de arrombamento e quebra de vidros, a sede administrativa do Serviço Social da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas), invadindo-a e, desde então, impedindo de forma violenta os serviços, atendimentos e encaminhamentos por parte da equipe técnica.
Embora recusando-se a dialogar com a coordenadora da Coseas, o fulcro das reivindicações do grupo resume-se na autogestão, ou seja, deseja selecionar os futuros moradores e administrar diretamente os serviços, com toda a liberdade, cabendo à universidade apenas pagar as contas.
O orçamento anual da USP é de cerca de R$ 3 bilhões, provenientes do ICMS, imposto regressivo que grava, principalmente, as camadas menos favorecidas da população do Estado de São Paulo. A folha de pessoal consome cerca de 85% desse total, restando 15% para fazer face a todas as demais necessidades.
A moradia universitária -que contribui para melhorar o desempenho acadêmico e reduzir a evasão, pois auxilia ingressantes necessitados a se manter estudando- está aí incluída.
O Programa de Política de Apoio à Permanência e Formação Estudantil da USP -que traça, baseado no perfil das necessidades dos alunos da universidade, as ações e as atividades a serem apoiadas para o adequado desenvolvimento acadêmico do aluno e monitora, por meio de indicadores quantitativos e qualitativos, os resultados sociais e acadêmicos apresentados pelos alunos envolvidos na ação- , em 2009, recebeu cerca de R$ 83 milhões, valor equivalente a 21,6% do orçamento de custeio da universidade. Para este ano, foram-lhe destinados cerca de R$ 87 milhões.
Tal investimento representa absoluta exceção à realidade nacional: dos brasileiros que cursam o ensino superior, 75% estudam na rede privada, cabendo-lhes, via de regra, pagar mensalidades, muitas vezes com privações pessoais e de suas famílias, além de não fazerem jus a auxílios de permanência.
Uma visão comparativa demonstra que os alunos e as alunas destinatários do programa em tela, embora com toda a justiça, representam parcela extremamente favorecida da população brasileira e paulista.
O presente espaço destina-se à opinião do autor. Contudo, tomo a liberdade de usá-lo neste momento para incitar que cada leitor -tanto os mais de 100 mil alunos, professores e funcionários da USP quanto os mais de 40 milhões de paulistas, que, por pagarem o ICMS, são responsáveis por financiá-la- medite e responda às seguintes interrogações: 1) É moral e lícita a invasão supra referida?
2) Deve ela ser tolerada?
3) Tal expediente será aceitável se o objetivo for propiciar atingir objetivos ideológicos?
4) A administração da universidade, o Ministério Público, o Judiciário e outros órgãos da sociedade devem restar inertes?


JOÃO GRANDINO RODAS , 64, desembargador federal aposentado, é reitor da USP. Foi diretor da Faculdade de Direito da USP e presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Gilmar Mendes: A resposta do Judiciário

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.