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São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2003

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BORIS FAUSTO

A repressão em Cuba

Ao lado da quase unânime condenação dos recentes atos repressivos em Cuba, ressalvada a dubiedade -para dizer o menos- do governo brasileiro (amigos são para essas coisas?), vale a pena tentar entender um pouco as razões desses atos.
Em primeiro lugar, eles chamam a atenção pela irracionalidade. Fidel Castro perde bem mais do que o apoio de alguns ilustres passageiros do barco das ilusões. Uma ducha de água fria atinge alguns congressistas e empresários americanos, dispostos a pressionar pelo levantamento do embargo e das viagens turísticas, impostos pela lei Helms-Burton. Esfriam os países integrantes da União Européia, que vem realizando esforços há anos, no sentido de manter e ampliar relações comerciais e culturais com Cuba. É o caso particularmente da Espanha, principal promotora de um acordo de cooperação da UE, condicionado ao avanço dos direitos humanos na ilha.
A repressão desfechada por Fidel parece resultar de temores representados pelo governo Bush e de uma situação interna catastrófica. Sob o primeiro aspecto, por mais que seja evidente a disposição do presidente americano de modelar o mundo segundo o que considera ser os interesses estratégicos de seu país, são muito poucos os indícios de que Cuba seja hoje um centro de atenções. Mesmo que fosse, a escalada repressiva surge como um excelente pretexto para endurecer o embargo e desacreditar a política promovida pelo governo Clinton, que abriu caminho para a maior liberalização de viagens e para as remessas dos imigrantes, a ponto de estas terem superado as receitas provenientes da exportação do açúcar.
Quanto à situação interna, em artigo publicado no Boletim do Real Instituto Elcano de Madrid, o pesquisador Francisco Leon lembra que todo o Caribe atravessa uma deterioração do quadro econômico, em consequência da queda dos fluxos turísticos, a partir do 11 de setembro, sendo a deterioração agravada pelo estancamento econômico global e pela guerra do Iraque. No caso específico de Cuba, junte-se a esse fator a crise da indústria açucareira, que resultou no fechamento de mais de 50 engenhos e em forte redução da população ocupada. O peso cubano vem perdendo valor, o mercado negro cresceu, a dependência das remessas dos emigrantes também e o desemprego entre os jovens causa muitos descontentamentos.
Tudo indica que a leitura que o governo cubano faz dos fatores apontados é uma leitura de guerra fria, quando Cuba causava profundas preocupações ao governo americano, como mostrou a desastrada aventura da baía dos Porcos. Só que, sem a proteção soviética, esta é a guerra fria de um órfão que, na sua solidão, trata de cortar dissidências pela raiz, sem dar ouvidos a ninguém.
Estamos, pois, diante de um ato "defensivo", de um ato de fraqueza do regime, em que talvez entrem as disputas, a portas fechadas, pela sucessão. Isso pode representar, no médio prazo, uma esperança para os dissidentes condenados a longas penas de prisão. Para os outros -os fuzilados- a esperança foi liquidada sem volta.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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