São Paulo, quarta-feira, 28 de abril de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Aparência e realidade

Em nenhum momento do governo Lula, nestes 16 meses desde a sua posse, foi tão importante que ele mesmo se comprometa "olho no olho", de "viva voz", com a nação que o elegeu. Ela confia que ele prosseguirá no caminho da sensatez fiscal e monetária que tem mantido até aqui. Eventos recentes puseram em dúvida aquela disposição: greves na Polícia Federal e no INSS, invasões do MST, discussão sobre o salário mínimo, governadores exigindo rediscussão da dívida, as estatais estariam fraquejando no superávit etc. A rigor, nada aconteceu de diferente: a administração não cedeu! Ao contrário, o superávit primário foi recorde. A sensação externa, entretanto, é a de que o país caminha para o caos financeiro, envolvido num imbróglio interno do próprio PT com seu ex-braço auxiliar, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e sua velha amiga, a esquerda católica. Estes não aceitam um fato elementar: o PT tem menos de 20% do Congresso. Isso mostra que Lula não foi eleito pelos "petistas", mas por uma maioria (os outros 40% de todas as origens) que acreditou na honestidade de propósitos e no programa que ele apresentou na Carta aos Brasileiros, que tem muito pouco a ver com o programa do PT.
Para existir e funcionar, o governo Lula tem de ser, portanto, um governo de coalizão, em que ele vai buscar a sua maioria nos partidos que, ao aderirem para construir as condições de "governabilidade", impõem, também, alguns pontos de seus programas e a necessidade de participarem da administração. O "aparelhamento" do Estado, promovido durante a euforia da vitória, não foi feliz. A rigor, o presidente poderia, mas não deveria, ter dado preferência aos "companheiros que foram derrotados em nome da causa maior", prejudicando, obviamente, a qualidade do governo.
Agora, passados 16 meses de avanços e de recuos no campo político, mas de enorme sucesso na recuperação da estabilidade econômica, o presidente reconhece que os partidos que contribuem para a governabilidade tem o dever de corrigir os desvios mais notáveis do governo em relação aos seus próprios programas. A ordem de Sua Excelência aos "companheiros" administradores é que devem prestar atenção (ou seja, devem atender!) aos telefonemas do ilustre ministro Aldo Rebelo. O governo começa a internalizar a idéia de que é mesmo de coalizão e no qual quem tem voto conta!
Essa compreensão deverá melhorar significativamente a qualidade da administração. O caso da Eletrobrás é exemplar. O professor Pinguelli é um físico conhecido, que possivelmente elevava a qualidade técnica de algumas das decisões da empresa. Diante da pressão do PMDB, o presidente teve de pensar: o Pinguelli é bom, mas quantos votos ele tem na Câmara e no Senado? É óbvio, por outro lado, que o presidente da Eletrobrás não precisa ser um físico: um bom administrador (suportado pelo excelente corpo técnico da empresa) dará conta do recado. Em compensação, a força do PMDB no Senado tornará mais fácil a administração de todos os setores da economia brasileira: elevará a produtividade geral!
A tragédia é que o tal "mercado" parece ver nisso uma "concessão ao populismo e à má administração financeira", esquecendo que é assim em todas as democracias do mundo. O tal "mercado" gosta mesmo é da "ordem" imposta a porrete pelo "espírito democrático"!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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