|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Aparência e realidade
Em nenhum momento do governo Lula, nestes 16 meses desde a
sua posse, foi tão importante que ele
mesmo se comprometa "olho no
olho", de "viva voz", com a nação que
o elegeu. Ela confia que ele prosseguirá no caminho da sensatez fiscal e monetária que tem mantido até aqui.
Eventos recentes puseram em dúvida
aquela disposição: greves na Polícia
Federal e no INSS, invasões do MST,
discussão sobre o salário mínimo, governadores exigindo rediscussão da
dívida, as estatais estariam fraquejando no superávit etc. A rigor, nada
aconteceu de diferente: a administração não cedeu! Ao contrário, o superávit primário foi recorde. A sensação
externa, entretanto, é a de que o país
caminha para o caos financeiro, envolvido num imbróglio interno do
próprio PT com seu ex-braço auxiliar,
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e sua velha amiga, a esquerda católica. Estes não aceitam um
fato elementar: o PT tem menos de
20% do Congresso. Isso mostra que
Lula não foi eleito pelos "petistas",
mas por uma maioria (os outros 40%
de todas as origens) que acreditou na
honestidade de propósitos e no programa que ele apresentou na Carta aos
Brasileiros, que tem muito pouco a ver
com o programa do PT.
Para existir e funcionar, o governo
Lula tem de ser, portanto, um governo
de coalizão, em que ele vai buscar a
sua maioria nos partidos que, ao aderirem para construir as condições de
"governabilidade", impõem, também,
alguns pontos de seus programas e a
necessidade de participarem da administração. O "aparelhamento" do Estado, promovido durante a euforia da
vitória, não foi feliz. A rigor, o presidente poderia, mas não deveria, ter
dado preferência aos "companheiros
que foram derrotados em nome da
causa maior", prejudicando, obviamente, a qualidade do governo.
Agora, passados 16 meses de avanços e de recuos no campo político,
mas de enorme sucesso na recuperação da estabilidade econômica, o presidente reconhece que os partidos que
contribuem para a governabilidade
tem o dever de corrigir os desvios
mais notáveis do governo em relação
aos seus próprios programas. A ordem de Sua Excelência aos "companheiros" administradores é que devem prestar atenção (ou seja, devem
atender!) aos telefonemas do ilustre
ministro Aldo Rebelo. O governo começa a internalizar a idéia de que é
mesmo de coalizão e no qual quem
tem voto conta!
Essa compreensão deverá melhorar
significativamente a qualidade da administração. O caso da Eletrobrás é
exemplar. O professor Pinguelli é um
físico conhecido, que possivelmente
elevava a qualidade técnica de algumas das decisões da empresa. Diante
da pressão do PMDB, o presidente teve de pensar: o Pinguelli é bom, mas
quantos votos ele tem na Câmara e no
Senado? É óbvio, por outro lado, que o
presidente da Eletrobrás não precisa
ser um físico: um bom administrador
(suportado pelo excelente corpo técnico da empresa) dará conta do recado. Em compensação, a força do
PMDB no Senado tornará mais fácil a
administração de todos os setores da
economia brasileira: elevará a produtividade geral!
A tragédia é que o tal "mercado" parece ver nisso uma "concessão ao populismo e à má administração financeira", esquecendo que é assim em todas as democracias do mundo. O tal
"mercado" gosta mesmo é da "ordem" imposta a porrete pelo "espírito
democrático"!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Aqui e agora Próximo Texto: Frases Índice
|