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FERNANDO RODRIGUES
Antiéticos
BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados é o mais aberto e transparente dos Poderes da República. Tão
escancarado a ponto de o Conselho
de Ética (sic) da Casa ter decidido
nesta semana anistiar de uma vez
deputados réus confessos da época
do mensalão e sanguessugas.
O problema maior não foi a absolvição em si, mas o fato de os crimes
não terem sido nem sequer analisados. Foram beneficiados pela decisão os políticos que renunciaram
aos seus mandatos na legislatura
anterior, candidataram-se em outubro e foram eleitos. Agora, decidiu o Conselho de Ética (sic), tudo
deve ser esquecido e sepultado.
Usou-se um argumento de rábula. Se o deputado réu confesso foi
eleito, o "povo" o absolveu. A Câmara não teria poderes para contrariar
a vontade do eleitorado.
A indigência desse raciocínio se
acentua pelo fato de os deputados
até admitirem a reabertura dos processos, mas só se aparecer um novo
crime relacionado ao anterior. Escárnio em estado bruto.
Pela lógica da Câmara, está salvo
o político que assassinar alguém,
renunciar ao mandato para não ser
cassado e voltar reeleito na legislatura seguinte -desde que não tenha ainda sido condenado na Justiça comum. Ora, protelar condenações no sistema judiciário brasileiro não é uma exceção. Já se tornou
quase uma praxe acadêmica.
Ao lavarem as mãos porque algum criminoso consegue votos suficientes para se eleger, os deputados brasileiros se acovardam diante
dos fatos. Vence o corporativismo.
Sobe mais um degrau a falta de credibilidade do Congresso -o pior
subproduto do episódio.
Louve-se o fato de os deputados
cometerem essa impropriedade à
luz do Sol, diferentemente do que
às vezes ocorre no Judiciário.
Mas só a transparência não basta.
É necessário também um pouco de
vergonha na cara e desejo de melhorar os padrões da política.
frodriguesbsb@uol.com.br
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