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FERNANDO GABEIRA
Um bagre no colo
O PRESIDENTE Lula reclamou que havia um bagre no
seu colo. Era uma forma de
criticar o relatório de impacto ambiental das usinas Santo Antônio e
Jirau, no rio Madeira.
O relatório, na verdade, é complexo -tem 256 páginas e trata de
vários temas. O bagre desempenha
agora o papel que o veadinho representava na década de 80. "Os
ecologistas estão preocupados com
o veadinho", diziam os adversários.
Era a frivolidade contra o necessário crescimento econômico.
Do fim do século passado para
cá, muita água correu no enlameado Madeira, uma espécie de túmulo dos mergulhadores que buscavam ouro no seu leito.
Nesta semana, a abelha vingou o
bagre e o veadinho. Europeus e
norte-americanos estão preocupados com o desaparecimento de
suas abelhas e com as conseqüências para plantas e flores. A TV espanhola mostrou como um laboratório com dezenas de abelhas mortas na bancada disseca seus minúsculos aparelhos digestivos para
tentar entender a mortandade.
Abelhas não são bagres nem veadinhos. Mas o foco científico revela
hoje como, diante de um planeta
informado, a velha concepção do
crescimento precisa mudar.
O governo importou um grande
especialista internacional em sedimentos para questionar o relatório
sobre as usinas do Madeira. Fez
bem. Mas deveria ter o mesmo empenho na defesa e no ataque.
Dificilmente traríamos especialistas internacionais para legitimar
uma proibição. A idéia de gastar dinheiro só se justifica se for para impulsionar o crescimento.
Acontece que o Brasil é muito rico em biodiversidade. Deveria investir pesado não apenas na liberação de projetos mas no processo
mesmo de licenciamento. E dizer
com clareza, e relativa rapidez, o
que pode e o que não pode ser feito.
O país vai ter que se acostumar
com os novos tempos. Não adianta
fazer figura internacional com biocombustível sem apreender o processo no conjunto. Outros seres estranhos podem saltar no colo do
presidente.
Essa história de que o respeito
ambiental vai deter o crescimento,
quebrar as empresas, é um argumento velho. Diziam isso na Abolição da Escravatura, e o país sobreviveu, muito mais forte.
O bagre no colo é apenas uma homenagem do governo ao aniversário de "Cem Anos de Solidão". Como a frase da ministra que detonou
a integração racial, ou a conclusão
do que se considerou escolhido,
porque não era nem corno nem tinha paixão por homem.
Ainda bem que teremos agora,
com a força dos evangélicos, um
novo ministro para planejar a Macondo do futuro. Sua primeira frase deverá ser: esqueçam o que escrevi.
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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