São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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ALBA ZALUAR

Família brasileira?

UM EVENTO inusitado e chocante causa horror e comoção pelo país afora, ajudado pela rapidez e pelo fascínio do espetáculo televisivo. O horror significa repulsa, nojo, aversão, repugnância, medo, pavor à atrocidade ou crueldade cometida contra uma pessoa inocente e indefesa. O alvo do horror é patente: os que deveriam proteger a menina e violaram esta expectativa.
Tentar explicar o ato insano e cruel como efeito de uma suposta família brasileira é negar esta reação de repulsa quase que geral. Nega-se o consensual para fazer do excepcional a guia do entendimento da nossa "cultura". Mas quantas são as culturas brasileiras? Quantas são as famílias brasileiras?
Não resta dúvida de que as transformações recentes nas relações familiares criaram novas tensões, mas a família tradicional, que alguns insistem em chamar de patriarcal, também foi marcada pelos conflitos. Mesmo assim, até nesta a capacidade de incluir os filhos ilegítimos e os agregados esteve fortemente presente. Não faltam exemplos.
Bastardo nunca foi um palavrão ofensivo no Brasil, como é até hoje na língua inglesa. A figura da madrasta má chegou até aqui pelas histórias infantis européias e continua chegando pelos desenhos de Walt Disney, diretamente dos Estados Unidos da América. E basta lembrar os conflitos recentes da família real inglesa, no país que inventou a democracia parlamentar, para rechaçar a interpretação de que, aqui, não se aceitam os filhos de outros casamentos.
Um dos piores vícios do culturalismo é, pela comparação com outras sociedades tomadas como a realização do igualitarismo, incutir o desalento quanto às possibilidades de que possamos mudar a sociedade desigual e, em alguns locais e circuitos, anacrônica. Entretanto, dos gritos da turba ouve-se, entre os clamores incivilizados, o que pede a igualdade: o urro de justiça também significa justiça igual para todos, pobres e ricos. Que os ricos sejam julgados e presos.
Amém.
Entretanto, há o que aprender na comparação com os países que aprimoraram suas instituições estatais. O que essa investigação, mais que pública, espetacular, nos demonstra é que há graves falhas na lei de processo penal brasileira.
Por que os acusados podem mentir para salvar sua pele e não são processados também por perjúrio, como em outros sistemas de justiça?
Por que os que obstruem a Justiça não são igualmente processados, mas se apresentam como se estivessem exercendo seus direitos de camuflar evidências para que os seus familiares, com dinheiro para contratar bons advogados, não sejam condenados?


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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