|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALBA ZALUAR
Família brasileira?
UM EVENTO inusitado e chocante causa horror e comoção pelo país afora, ajudado
pela rapidez e pelo fascínio do espetáculo televisivo. O horror significa repulsa, nojo, aversão, repugnância, medo, pavor à atrocidade
ou crueldade cometida contra uma
pessoa inocente e indefesa. O alvo
do horror é patente: os que deveriam proteger a menina e violaram
esta expectativa.
Tentar explicar o ato insano e
cruel como efeito de uma suposta
família brasileira é negar esta reação de repulsa quase que geral. Nega-se o consensual para fazer do
excepcional a guia do entendimento da nossa "cultura". Mas quantas
são as culturas brasileiras? Quantas são as famílias brasileiras?
Não resta dúvida de que as transformações recentes nas relações
familiares criaram novas tensões,
mas a família tradicional, que alguns insistem em chamar de patriarcal, também foi marcada pelos
conflitos. Mesmo assim, até nesta a
capacidade de incluir os filhos ilegítimos e os agregados esteve fortemente presente. Não faltam
exemplos.
Bastardo nunca foi um palavrão
ofensivo no Brasil, como é até hoje
na língua inglesa. A figura da madrasta má chegou até aqui pelas
histórias infantis européias e continua chegando pelos desenhos de
Walt Disney, diretamente dos Estados Unidos da América. E basta
lembrar os conflitos recentes da família real inglesa, no país que inventou a democracia parlamentar,
para rechaçar a interpretação de
que, aqui, não se aceitam os filhos
de outros casamentos.
Um dos piores vícios do culturalismo é, pela comparação com outras sociedades tomadas como a
realização do igualitarismo, incutir
o desalento quanto às possibilidades de que possamos mudar a sociedade desigual e, em alguns locais e circuitos, anacrônica. Entretanto, dos gritos da turba ouve-se,
entre os clamores incivilizados, o
que pede a igualdade: o urro de justiça também significa justiça igual
para todos, pobres e ricos. Que os
ricos sejam julgados e presos.
Amém.
Entretanto, há o que aprender na
comparação com os países que
aprimoraram suas instituições estatais. O que essa investigação,
mais que pública, espetacular, nos
demonstra é que há graves falhas
na lei de processo penal brasileira.
Por que os acusados podem mentir
para salvar sua pele e não são processados também por perjúrio, como em outros sistemas de justiça?
Por que os que obstruem a Justiça
não são igualmente processados,
mas se apresentam como se estivessem exercendo seus direitos de
camuflar evidências para que os
seus familiares, com dinheiro para
contratar bons advogados, não
sejam condenados?
ALBA ZALUAR
escreve às segundas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Fome à vista Próximo Texto: Frases
Índice
|