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RUY CASTRO
Fome à vista
RIO DE JANEIRO - Uma amiga
minha, veterana dos pés-sujos cariocas, me garante que os melhores
lugares para comer são os botequins preferidos pelos motoristas
de táxi. Seus PFs são os mais lautos
e saborosos: uma montanha de arroz com feijão, escoltada por impecável carne assada com molho ferrugem e competente abobrinha,
chuchu ou jiló. Ao ver a fila de amarelinhos estacionados defronte, ela
não discute -entra e se locupleta.
Outro expert que consulto antes
de sair para comer é Wilson Flora, o
popular Baiano, maître do botequim Getulio, no Catete, e chef dos
mais indescritíveis rega-bofes sambísticos. Baiano tem assinatura
contra tudo que leve rúcula ou tomate seco, e é da teoria de que torresmo é carne branca. Seu pernil fatiado, de tão tentador, devia ser
proibido para menores.
E nada supera a feijoada das tardes de segunda-feira do clube Renascença, no Andaraí, famoso nos
anos 60 por suas mulatas que se
candidatavam a miss Guanabara
-e ganhavam. Hoje, o que se come
no Renascença é o feijão com pé de
porco ou rabada preparado pelo ex-bombeiro Jorge Ferraz, que é também presidente do clube e um príncipe zulu no exílio. Há uma caramboleira no centro do terreiro, à
sombra da qual Moacyr Luz e sua
roda perpetram memoráveis sambas. Mas, no Renascença, o samba
paga placê para a comida.
Essas observações vêm a propósito da crise mundial de alimentos,
cujos preços estão indo para a estratosfera, inclusive no Brasil. E
que alimentos estão subindo de
preço? Não a lagosta, o caviar ou a
alcachofra, para alívio dos bacanas
e emergentes -mas os prosaicos
arroz e feijão, base dos mais imorredouros PFs.
Prevêem-se dias terríveis para a
África e, acrescento eu, para nossos
pés-sujos e rodas de samba. Vamos
ter de passar a rúcula e tomate seco.
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