São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RUY CASTRO

Fome à vista

RIO DE JANEIRO - Uma amiga minha, veterana dos pés-sujos cariocas, me garante que os melhores lugares para comer são os botequins preferidos pelos motoristas de táxi. Seus PFs são os mais lautos e saborosos: uma montanha de arroz com feijão, escoltada por impecável carne assada com molho ferrugem e competente abobrinha, chuchu ou jiló. Ao ver a fila de amarelinhos estacionados defronte, ela não discute -entra e se locupleta.
Outro expert que consulto antes de sair para comer é Wilson Flora, o popular Baiano, maître do botequim Getulio, no Catete, e chef dos mais indescritíveis rega-bofes sambísticos. Baiano tem assinatura contra tudo que leve rúcula ou tomate seco, e é da teoria de que torresmo é carne branca. Seu pernil fatiado, de tão tentador, devia ser proibido para menores.
E nada supera a feijoada das tardes de segunda-feira do clube Renascença, no Andaraí, famoso nos anos 60 por suas mulatas que se candidatavam a miss Guanabara -e ganhavam. Hoje, o que se come no Renascença é o feijão com pé de porco ou rabada preparado pelo ex-bombeiro Jorge Ferraz, que é também presidente do clube e um príncipe zulu no exílio. Há uma caramboleira no centro do terreiro, à sombra da qual Moacyr Luz e sua roda perpetram memoráveis sambas. Mas, no Renascença, o samba paga placê para a comida.
Essas observações vêm a propósito da crise mundial de alimentos, cujos preços estão indo para a estratosfera, inclusive no Brasil. E que alimentos estão subindo de preço? Não a lagosta, o caviar ou a alcachofra, para alívio dos bacanas e emergentes -mas os prosaicos arroz e feijão, base dos mais imorredouros PFs.
Prevêem-se dias terríveis para a África e, acrescento eu, para nossos pés-sujos e rodas de samba. Vamos ter de passar a rúcula e tomate seco.


Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Fora da ordem
Próximo Texto: Alba Zaluar: Família brasileira?
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.