São Paulo, segunda-feira, 28 de abril de 2008

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Luz para Todos, que se apaga

CLAUDIO J. D. SALES


O programa precisa de maior transparência. Poucos sabem que 90% do Luz para Todos é financiado pelos consumidores de energia


RECENTEMENTE foi anunciada a prorrogação do programa Luz para Todos de 2008 para, pelo menos, até 2010. Essa medida seria louvável se não fossem a falta de transparência na comunicação do governo e os elevados prejuízos em que o programa tem incorrido, que comprometem a sua expansão e, principalmente, a manutenção dos resultados já obtidos.
Segundo o IBGE, atualmente, 97,5% dos domicílios brasileiros têm acesso à energia elétrica, valor elevado se comparado a outros serviços públicos, como esgoto (69,7%) ou água tratada (82,3%). Esse resultado se deve principalmente a diversos programas de universalização de energia adotados no país desde os anos 70 e intensificados na última década.
A universalização da energia é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico das regiões menos favorecidas do país. A chegada da eletricidade possibilita o aprimoramento da agricultura, a industrialização e o acesso da população a novos produtos e serviços que melhoram a sua qualidade de vida.
Entretanto, a universalização é por natureza deficitária, o que se deve a diversos fatores: 1) altos investimentos para conectar as localidades distantes das redes de energia existentes; 2) elevados custos de operação e manutenção de redes, normalmente instaladas em regiões com consumidores dispersos e de difícil acesso (sem estradas, saneamento básico e outros itens de infra-estrutura); 3) população com baixo consumo e baixa capacidade de pagamento pelos serviços prestados.
Esses motivos fazem com que a conta de luz dos clientes atendidos seja insuficiente para cobrir as despesas do programa, cabendo ao governo definir fontes de recursos e subsídios para garantir a sua condução. As atuais dificuldades do Luz para Todos se devem justamente ao desequilíbrio entre as metas de universalização estabelecidas e a disponibilidade de recursos para sua implementação e manutenção.
Quando foi lançado, em 2003, o Luz para Todos antecipou para 2008 as metas então existentes, que previam a eletrificação de todos os domicílios brasileiros até 2015. Naquele momento, definiu-se que os investimentos necessários (da ordem de R$ 8,7 bilhões) seriam financiados pelos Estados, com aproximadamente 10% dos recursos requeridos, e, principalmente, pelos consumidores, que pagariam os 90% restantes por meio de taxas na conta de luz.
O problema é que, embora tenha previsto os recursos para a fase de investimentos, o Luz para Todos não definiu como cobrir os altos custos de manutenção e operação das novas instalações. Cálculos do governo mostram que essa cobertura exigiria um aumento nas tarifas, que, em Estados mais carentes (e, conseqüentemente, mais favorecidos pelo programa), superaria 30%.
A saída encontrada pelo governo foi limitar esse impacto a 8% do valor das tarifas, transferindo então o ônus do programa às empresas distribuidoras de energia, que se vêem obrigadas a implementá-lo sem garantia da cobertura dos custos incorridos em sua manutenção.
A solução de um problema dessa natureza não se faz por decreto, mas pelo adequado equacionamento dos custos e das metas da universalização.
Essa situação configura um dilema no campo das políticas públicas: se, por um lado, aumentar a tarifa de Estados carentes é indesejável, por outro, a não-compensação dos crescentes déficits compromete a capacidade de investimento do setor e a própria continuidade da iniciativa.
Antes de propor a prorrogação do Luz para Todos, o governo deveria garantir o equilíbrio de seus custos e benefícios para a sociedade e compatibilizá-lo com a capacidade de pagamento dos consumidores. Um diagnóstico detalhado dessa distorção pode ser acessado em www.acendebrasil. com.br, "Regulação e Política Tarifária", caderno 2.
Outra medida seria dar maior transparência ao programa, para que os consumidores consigam avaliar as dificuldades e reais custos da iniciativa. Poucos sabem que 90% do Luz para Todos é financiado pelos próprios consumidores de energia e que o governo federal não realiza nenhuma contribuição, ao contrário da percepção gerada pelas manifestações oficiais sobre o assunto e pelas propagandas de estatais federais.
O governo federal, nos palanques e nas propagandas, valoriza muito o Luz para Todos. Mas precisa, agora, alinhar discurso com ações e dar a sua contribuição para que a manutenção desse importante programa possa ser feita de forma transparente, sustentável e sem encarecer a energia para os consumidores brasileiros.


CLAUDIO J. D. SALES , 61, engenheiro mecânico industrial, é presidente do Instituto Acende Brasil, entidade que promove a transparência e a sustentabilidade no setor elétrico brasileiro.

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