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CARLOS HEITOR CONY
O que nos falta
RIO DE JANEIRO - Vivemos num
país cartorial, onde tudo termina
não em palavras, como na citação
clássica de Shakespeare ("words,
words, words"), mas em papéis, papéis, papéis. Por mais que apareçam
documentos com firma reconhecida, cheques, talões de depósito bancário, bilhetes de passagens aéreas,
vídeos, fotos e áudios; por mais que
as CPIs, a PF e os jornalistas investigativos obtenham depoimentos
assombrosos e testemunhos indestrutíveis, nada acontecerá no país
além do muito e bastante que já está
acontecendo.
Dentro de nossas tradições domésticas, para chegarmos a um
ponto de fusão político, fica faltando um cadáver. Não quero ser macabro, mas histórico -o que talvez
dê na mesma. Nas sucessivas crises
que provocaram a queda do Império, houve o cadáver de Apulcro de
Castro -nome esquecido de um
panfletário assassinado nas ruas do
Rio de Janeiro. Foi a insignificante
gota d'água que terminaria com a
deposição do imperador, o rato provocando a agonia da montanha.
Em 1930, houve o cadáver marginal de João Pessoa, cometido em
Recife por motivos pessoais de políticos paraibanos. O crime nada tinha a ver com a crise da velha República, mesmo assim deu o gás que
faltava para o início da Era Vargas,
era que terminaria dramaticamente, em 1954, não com um, mas com
dois cadáveres: o do major Ruben
Vaz, em 5 de agosto, e o do próprio
Vargas, no dia 24 do mesmo mês
e ano.
Como disse, o assunto é macabro,
mas histórico. Não pretendo insinuar nenhuma solução radical para
os problemas atuais, que são muitos, mas até agora -e felizmente-
não há anúncio de nenhuma tragédia no horizonte da pátria. A menos
que o nosso bom e querido Gabeira,
numa desnecessária crise de consciência, busque uma punição que
não merece.
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