São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Abaixo a poluição visual

GILBERTO KASSAB

90% de toda a propaganda que se vê nas ruas de São Paulo está fora da lei.
Só há uma solução: zerar a mídia exterior

DESDE O início, em janeiro de 2005, a atual administração municipal vem mantendo intensa campanha pela redução da poluição visual, reprimindo de diversas formas a publicidade ilegal, seu principal componente. Foram retirados cerca de 4.500 outdoors dos espaços públicos da capital -quase um por dia. A prefeitura recolheu mais de 275 mil faixas, tabuletas e cartazes colocados irregularmente e aplicou 8.500 multas para anúncios irregulares. Agora, pergunte-se: você notou melhora na poluição visual na cidade? Provavelmente sente o mesmo que eu: a redução não apareceu. E isso se deve ao fato de que a quantidade de propaganda -irregular ou regular- na cidade é das maiores do mundo, totalmente indisciplinada por um conjunto de regras tão amplo e detalhado que ninguém -nem o cidadão comum, nem o agente do poder público- conhece bem. Isso faz com que as pessoas, diante de uma placa de propaganda em São Paulo, hoje, não saibam dizer se estão vendo uma publicidade legal ou ilegal. Aí está a origem de todo o problema: se o morador de uma rua não sabe dizer se um outdoor ao lado de sua casa é legal ou não, ele não pode vigiar, não pode atuar como cidadão. Suas mãos estão atadas. A partir daí, toda a responsabilidade de controlar a publicidade ilegal passa aos fiscais da prefeitura. Ocorre que é quase impossível vigiar uma cidade do porte da nossa com base em um cipoal de leis. É por isso que, para atingir o objetivo expresso pelo prefeito José Serra e por mim, já em nossa campanha e desde a posse, só há uma solução: zerar o problema, eliminar a poluição visual na cidade de São Paulo, deixando a capital paulista como várias das principais cidades do mundo, sem publicidade ostensiva nas ruas. É preciso um choque já, uma medida radical para eliminar de vez um problema que, embora gravíssimo, parece ter dobrado a resistência de muitos. Só assim os paulistanos vão se lembrar de que é possível viver em uma cidade que não é dominada pelo caos visual. Além da questão estética, é importante destacar que a publicidade de rua é o motor de uma das principais atividades criminosas que ameaçam o tecido do poder público: com leis confusas, obscuras e contraditórias, o mercado é regulado por uma margem imensa de subjetividade que abre oportunidades de corrupção. De novo, cabe destacar: as leis serão tanto mais respeitadas quanto mais conhecidas forem. O exemplo do futebol é claro. Toda a sofisticação de uma partida é regida por um punhado de regras simples, conhecidas por todos. O espetáculo fica por conta da criatividade de quem se comporta bem dentro delas. Desde que surgiram na imprensa algumas informações sobre o projeto que mandei elaborar, recebi muitos apoios. Surgiram também várias críticas, o que é natural. Em geral, estas têm sido marcadas pela idéia de que não se pode eliminar toda a publicidade exterior apenas porque uma parte dela é ilegal. Esse argumento, infelizmente, é falacioso, porque a publicidade ilegal não é exceção, é a regra. Por diferentes razões, 90% de toda a propaganda que se vê nas ruas de São Paulo está fora da lei. Essa desproporção é um sinal claro de como são poderosos os que se apoderaram do espaço público e da paisagem urbana da cidade. E como têm sido omissos o poder público e os órgãos do mercado que poderiam deter o avanço do caos. Não é possível continuar a lutar contra essa poluição com ações pontuais que, a rigor, acabam tendo um efeito de "enxugar gelo", como diz a expressão popular. Precisamos de um instrumento legal que recupere a ordem. Diante de tamanho descalabro, que se perpetua há décadas impunemente, a solução é zerar completamente a mídia exterior. É uma posição radical, no sentido de ir à raiz do problema. É radical porque submete grandes interesses econômicos à disciplina do interesse público. É radical até porque vai contra os interesses econômicos da própria prefeitura, que poderia lucrar com a legalização e a cobrança de impostos e taxas de tanta publicidade. Com a cidade limpa da poluição visual, aumentará certamente o cuidado dos habitantes com outros aspectos da vida urbana, consolidando um ciclo de recuperação do amor próprio de São Paulo.


GILBERTO KASSAB , 45, engenheiro e economista, é o prefeito de São Paulo. Foi deputado federal (1999-2004) e estadual (1995-1998), vereador (1993-1994) e secretário municipal de Planejamento (1997-1998).


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