São Paulo, domingo, 28 de maio de 2006 |
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Auto-suficiência em petróleo e a Marinha
ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO
O BRASIL todo comemora, com
fundadas razões, a auto-suficiência na produção de petróleo: enfim, para justo orgulho de todos os brasileiros, produzimos mais
do que consumimos!
Essa conquista compõe páginas
que enriquecem a própria história recente do Brasil. Seja a heróica visão do
estadista que decidiu, em contexto de
difíceis circunstâncias políticas e econômicas, pelo "O Petróleo é Nosso";
seja a vibrante epopéia da Petrobras;
seja a confiança dos governos, que,
por mais de cinco décadas, jamais deixaram de investir nesse segmento; ou,
por fim, seja pela mística de uma calada torcida de todo o povo brasileiro
para que essa meta fosse alcançada.
O fato inconteste é que o Brasil venceu. O Brasil conseguiu.
A Marinha se junta ao mutirão nacional de orgulho por essa vitória.
Contudo, a consciência do dever
constitucional a obriga a reflexões de
ordem estratégica sobre esse fato,
considerando que um percentual bastante significativo da produção de petróleo -cerca de 85%- é realizado
nas águas da nossa "Amazônia Azul",
e que visões prospectivas anunciam a
descoberta de novas jazidas no mar.
O direito do mar (Convenção da Jamaica), ao mesmo tempo em que concede ao Estado costeiro o direto de
explorar os recursos vivos e não-vivos
do solo, subsolo e da camada líquida
da sua zona econômica exclusiva
(ZEE), reconhece o direito à livre navegação internacional nas ZEE. Isso
significa que qualquer país pode deslocar uma força naval para operar nas
proximidades das áreas marítimas
onde se localizam as nossas plataformas de exploração de petróleo sem
nenhum constrangimento de ordem
jurídica, embora possa haver de ordem política.
Daí ser o mar, por excelência, o cenário próprio para o surgimento de
crises internacionais de natureza político-estratégica. Tais crises, quando
mal conduzidas, podem escalar para
conflitos armados que sempre interessam aos mais fortes ou, mesmo
quando bem manobradas, tendem a
sujeitar os mais fracos a aceitar as
condições impostas pelos mais fortes.
No caso em apreço, ou seja, para
evitar crises no cenário marítimo ou
para poder enfrentá-las com a cabeça
erguida, caso elas ocorram, a existência de uma Marinha com capacidade
crível de dissuasão é o único recurso
plenamente satisfatório.
Outro aspecto que não pode ser negligenciado é o das denominadas "novas ameaças", entre as quais, além dos
crimes transnacionais e ambientais,
está incluído o terrorismo internacional. Plataformas de exploração de petróleo são alvos potencialmente tentadores para ações terroristas. Assim,
além da capacidade de dissuasão já
mencionada, a Marinha necessita ter
uma outra capacidade, qual seja, a de
poder patrulhar de forma permanente todo o imenso mar que nos cerca,
incluindo, prioritariamente, as áreas
marítimas de exploração de petróleo.
Para tal tarefa, em tempo de paz, o
navio-patrulha é o meio adequado.
Somente um navio pode, além de detectar e identificar, interceptar as embarcações que estejam navegando nas
nossas águas jurisdicionais. Pode ainda, utilizando o Grupo de Visita e Inspeção (GVI) e a Guarnição de Presa
(GP), que fazem parte da sua tripulação, inspecionar e, se for o caso, obrigar a demandar o porto nacional mais
próximo aquelas que estiverem infringindo as nossas leis, entregando-as às autoridades competentes para
as providências posteriores.
Prover à Marinha os meios e os recursos necessários para que ela possua uma capacidade de dissuasão com
credibilidade é, sem dúvida, um dever
do Estado -e para isso existem os royalties. Possibilitar que a Marinha
possa, efetivamente, patrulhar a nossa "Amazônia Azul" também é um dever do Estado. Mas talvez a Petrobras
possa ajudar. Como? Tornando-se,
mais do que já é, uma efetiva parceira
da Marinha, celebrando com ela um
acordo administrativo que permita o
repasse de recursos extra-orçamentários diretos para a Marinha e, portanto, fora do alcance dos contingenciamentos do Orçamento, para que a
Força Naval possa implementar o seu
projeto de navios-patrulha a serem
construídos no país.
Tais recursos seriam uma pequena
parcela dos pesados investimentos
feitos pela Petrobras -e que continuariam a ser investimentos, só que
voltados para a proteção e a segurança do imenso patrimônio que não é só
daquela empresa, já que também pertence a todo o povo brasileiro.
Pode parecer um sonho, mas a vitória que estamos comemorando também era um sonho que se transformou em realidade.
Orgulhemo-nos e saudemos a auto-suficiência do petróleo, sem descurar,
porém, da responsabilidade de protegê-la e defendê-la.
ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO , 67, almirante-de-esquadra, é o comandante da Marinha. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Abaixo a poluição visual Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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