São Paulo, segunda-feira, 28 de maio de 2007

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ALBA ZALUAR

Perdeu, perdeu

ESSA É a saudação recebida pelos assaltados no Rio de Janeiro. Não é por acaso. Senão vejamos.
O processo de globalização tem sido diagnosticado como a era da sociedade pós-moderna, pós-industrial, informacional, assim como a era da incerteza. Pelo lado positivo, a extensa rede de comunicação no planeta, a rapidez e o alcance com que produtos, idéias, modelos e pessoas viajam têm contribuído para diminuir o desconhecimento dos outros e para aumentar o hibridismo cultural ou uma cultura cosmopolita, conhecidos no Brasil há mais de um século. Pelo lado negativo, a economia globalizada tornou mais informal, precário e desprotegido o trabalho, mais incerto o futuro, ainda mais difícil a idealização de projetos coletivos, mais improvável o laço que mantém unidos militantes de partidos de massa ou de associações de classe.
A divisão principal parece não se dar mais entre classes sociais opostas, mas entre vencedores e perdedores. O domínio da lógica utilitarista do mercado sobre as demais instâncias da vida social e política, a divisão de nações, grupos e pessoas entre vencedores e perdedores fazem da competição uma inexorável atividade humana. O que se segue é aquilo que na ciência política se chamou jogo soma zero: ou se ganha, ou se perde.
Ora, há jogos em que todos perdem ou todos ganham. Quando essa lógica afeta os sistemas de proteção social, a vida política e o tecido social, feito de delicadas inter-relações e conexões, todos perdem, ou seja, cada um de nós paga um preço pelos danos sofridos coletivamente.
Não estão em jogo apenas os valores individualistas e mercantis selvagens que se disseminaram durante os anos 70 e 80 em países como o Brasil, traduzidos pelas expressões corriqueiras ""fazer dinheiro fácil" e "tirar vantagem de tudo", também próprios dessa nova fase do capitalismo globalizado.
O impacto da colonização pelo mercado é óbvio: perderam-se os limites morais usualmente fornecidos pelo social e pelo institucional consolidado. E, ainda mais, perderam-se laços sociais, enfraqueceram-se os vínculos necessários entre figuras de autoridade e seguidores, entre mestres e aprendizes.
Apostar ainda mais nesse novo abismo é continuar o jogo em que todos perdem, mesmo que aparentemente lutando por reivindicações imediatas importantes. Escalar o exigido, escolher e depois abusar do uso da força, ignorar as possibilidades de mediação e diálogo só vem aumentar o individualismo atomizado do perdeu, perdeu; ganhou, ganhou. Que a crise na USP consiga superar esse dilema pós-industrial.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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