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JOSÉ SARNEY
Navegar sem mouse
Volto do exterior. Encontro
a Folha de S.Paulo de roupa e
alma novas. Obriga a habituar
os olhos e a ver o futuro no e
do jornal. É uma desafiadora
ousadia. Nunca vacilei no
meu dogma de que tudo acabará, menos o jornal e o livro,
um e outro como instrumento
de fugir da solidão, de conviver com pessoas e fatos.
Comecei a escrever aqui em
1983, logo após entrar para a
Academia Brasileira de Letras.
Parei para ser vice e presidente. Em 1991, na Cidade do México, recebo um telefonema.
Era Octavio Frias de Oliveira
[publisher da Folha, morto
em 2007]. Convidava-me para
assumir esta coluna às sextas-feiras. Não faltei uma só vez,
com paixão. Nunca usei este
espaço para tratar de assuntos
pessoais, defesa ou ataque.
Houve um tempo em que se
discutia ser possível fazer literatura no jornalismo. Sim.
Basta um bom texto. Mas em
coluna é sempre discutível.
O colunista é o historiador
do cotidiano. O texto deve ser
leve, os adjetivos, ques e porque são inimigos e só devem
entrar em caso de absoluta necessidade. É preciso segurar o
leitor com o tema, nunca afastado do dia a dia, e brincar
com as palavras, para enganar
o que é sério com capa de burlesco ou cômico, ferino ou inútil. E haja tantos gêneros de
crônicas!
Destas colunas, já amealhei
sete livros publicados, começando por "Sexta-Feira, Folha" (1994), no total mais de
2.300 páginas. Assisti a várias
reformas do jornal, como leitor e escritor. Sempre para melhor, mas nenhuma tão ousada quanto a presente. Desde a
fusão das equipes da mídia
on-line até à aspiração a um
texto de qualidade para servir
a uma "informação de qualidade", em qualquer plataforma, como escreveu Otavio
Frias Filho.
Mas, no testemunho destes
anos, algo nunca mudou com
as mudanças: os valores do
pluralismo, o dever com o leitor e a notícia, o respeito ao direito de dizer e a resistência a
patrulhas organizadas, hoje
fáceis no mundo da internet,
querendo cabeças.
O conceito de rede, a partícula fundamental do novo
mundo da comunicação, trouxe os "smartphones", "tablets", torpedos, e-mail, Twitter, YouTube, comunidades
virtuais; tudo isso seria o antijornal, o sem papel, e provoca
o desafio de domesticar os
meios de modo a que, integrados, sejam o jornal do futuro.
Polanco, publisher de "El
País", é cético: "Em dez anos
desaparecerá o "El País" atual e
surgirá um outro tipo de jornal", fugindo às imposições. E
uma que ele mesmo cita é do
governo Aznar, exigindo
"apenas isto" (cito): "Que
Eduardo Tecglen deixasse de
escrever no "El País'".
A Folha ousa adiantar-se e
faz um jornal de como navegar
com os olhos, sem mouse, integrando meio, forma e conteúdo. Haja coragem e criatividade.
JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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