São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2004

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

A saúde do doente

A elite paulistana e os formadores de opinião, pessoas que costumam ler os jornais e aparecer neles, têm tratado Paulo Maluf até agora como um candidato café-com-leite. Os comentários oscilam entre a estupefação mais ou menos revoltada e o desdém mais ou menos irônico, mas todos, sem exceção, consideram que o ex-prefeito é um bufão condenado a morrer na praia, enroscado num cipoal de assinaturas, papéis suspeitos e montanhas de dólares ilícitos que dormem em paraísos fiscais -e no imaginário de cada um de nós. Em suma: acredita-se que, como ele, também sua candidatura não é séria.
Dá-se ainda de barato que a disputa real se travará entre Marta e Serra, entre o PT e o PSDB: o que está em jogo em São Paulo é a consolidação da hegemonia política do petismo ou a sinalização da volta dos tucanos ao poder central. O bom senso nos leva a crer que seja mesmo assim.
Além de acossado, Maluf é um candidato politicamente isolado, sem muito tempo na TV e apoios partidários, questionado dentro do próprio PP, do qual até há pouco era o dono inconteste. Ex-malufistas menores ou em ascensão migraram para outras paragens, mais prósperas. É o caso do vice de Serra, o pefelista Gilberto Kassab, ex-secretário de Pitta.
É também a trajetória de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido aliado de Marta e bem acolhido na vice de Lula. E o que dizer do PTB de Roberto Jefferson, o collorido, e Fleury, filho enjeitado do quercismo? Hoje são todos chapas do Planalto.
Pouca gente parece se incomodar com isso, embora Serra não esconda um mal-estar que não se verifica mais nos petistas, aprendizes de feiticeiro cujo pragmatismo vai empilhando cadáveres no cemitério da ética.
A gangsterização do petismo é o fenômeno mais relevante da política brasileira nos últimos anos. O barateamento sumário das aspirações coletivas de que o partido era o maior portador é a face mais visível de uma conversão política sem precedentes, a qual acanha e acanalha os horizontes do país e vai transformando-o, aos olhos do mundo, num "suave fiasco", segundo a boa definição recente de um embaixador. É possível que a ressaca social resultante desse fenômeno, que apenas começa a ser sentida, já se materialize no resultado das eleições deste ano.
O palco da guerra em São Paulo está armado, mas a batalha mal começou. Pela amostra das trocas de farpas entre Marta e Serra durante as convenções do final de semana, vê-se que o jogo pesado não se dará em torno de Maluf, que no entanto é peça estratégica para as ambições de PT e PSDB.
Do ponto de vista da prefeita, Maluf precisa se manter candidato, mas fragilizado. Se o doente sucumbir, Serra se beneficia; se melhorar de saúde, pode deixar Marta fora do segundo turno. Administrar a dose desse remédio que não cura nem mata é hoje o desafio do PT. Para os tucanos, a morte política de Maluf poderia significar até uma vitória no primeiro turno. Não é esse, porém, o cenário que se desenha.
Os votos de Maluf concentram-se entre os mais pobres e menos escolarizados, como mostra a pesquisa Datafolha divulgada ontem. Culpar o povo ignorante? Os herdeiros do populismo são os deserdados de dez anos da política econômica tucano-petista.


Fernando de Barros e Silva é editor de Brasil.


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