São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Vaias e soluços

RIO DE JANEIRO - Foram chocantes as vaias a Lula e a membros do atual governo durante o velório de Brizola no Rio e em Porto Alegre. Não sei quem definiu a vaia como o aplauso dos que não gostam. É o caso das vaias nos estádios de futebol, onde são comuns as manifestações de desagrado para com o juiz, um jogador, um time, o jogo em si. Nelson Rodrigues dizia que no Maracanã se vaiava até minuto de silêncio.
Mas tudo tem sua hora. O Rio, principalmente o Rio de Brizola, marcou-se pela emoção, e sua morte emocionou a todos, amigos e desafetos, que afinal descobriram que o ex-governador era um "doce" no trato pessoal. Depois do Nelson, lembro Tancredo Neves, que, mesmo divergindo e recebendo farpas de Brizola, o considerava um doce. Os que vaiaram Lula foram os mesmos que em quatro eleições votaram nele para presidente, guiados pelo carismático líder que nos últimos tempos se tornara inofensivo, com seu vocabulário próprio, suas metáforas pitorescas, bem melhores que as de Lula.
Foram os mesmos, também, que jogaram pedras em Collor, que mais tarde seria apoiado por Brizola, devido a detalhe fundamental de seu ideário político: a educação integral, herança de Anísio Teixeira e parceria com Darcy Ribeiro. Misturar Anísio Teixeira, Darcy e Collor é dose, só mesmo Brizola seria capaz de tão assombrosa mixórdia.
Ao lado das vaias, mas com o mesmo sentido às avessas, os soluços de Garotinho e Rosinha Matheus, de Cesar Maia, de antigos correligionários que com ele romperam. Não sei se Marcello Alencar, ex-governador e ex-prefeito, Saturnino Braga, ex-prefeito, Miro Teixeira, Artur da Távola e outros chegaram a chorar. Tenho a certeza de que o próprio Lula, apesar das vaias e de tudo o que Brizola ultimamente dizia dele, emotivo como é, fez um esforço danado para não chorar diante do cadáver de quem o chamou de sapo barbudo. O coração tem razões que só o coração conhece.


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