São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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Buraco verde

Levantamento do Incra indica que o governo desconhece o que se passa em grande parte de suas terras na Amazônia

UM MAPEAMENTO recém-concluído pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reconhece que o Estado ignora uma área da Amazônia Legal cuja extensão equivale à dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná somados. São 710,2 mil km2 de terras públicas, mas o órgão na verdade não sabe se elas estão nas mãos de posseiros ou de grileiros, nem o que está sendo produzido ou destruído em um patrimônio que, em tese, é público.
"A Amazônia é um mundo desconhecido, não é a avenida Paulista; ninguém sabe quem está lá", disse Rolf Hackbart, presidente da autarquia que controla o cadastro nacional de imóveis rurais. O governo desconhece o que se passa nessas regiões, mas desconfia: no Pará, as principais manchas de terras em situação nebulosa estão sobrepostas às rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém e na parte leste do Estado -áreas de expansão da pecuária e da mineração.
As sucessivas campanhas empreendidas pelo governo não alcançaram seu objetivo: após dez anos de esforços para cadastrar as propriedades privadas da região, as terras que tiveram seus papéis validados pelo Incra somam apenas 4% da Amazônia. O instituto quer agora definir um cronograma de ação para os próximos cinco anos que envolva também a Funai, do Ministério do Meio Ambiente e das Forças Armadas, para conseguir afinal a regularização dessas áreas.
O fiasco mais recente ocorreu em meio à Operação Arco de Fogo, da Polícia Federal: a tentativa de fazer o recadastramento das propriedades nos 36 municípios que mais desmatam a Amazônia terminou em abril sem que 80% dos 15 mil proprietários convocados atendessem ao chamado.
A direção do Incra esclarece que não possui servidores nem equipamentos suficientes para uma empreitada dessa magnitude. Não é o único órgão público nessa situação: em março, o Ibama revelou que precisava de 9.075 fiscais, mas tinha apenas 2.030. Provavelmente faltam servidores em todas os setores, mas o déficit de pessoal público na Amazônia é muito grande.
A maior dificuldade, contudo, não provém da carência de meios materiais para fiscalizar as terras, mas sim da ausência de vontade política nesse sentido. Até agora, o presidente Lula ainda não explicitou um compromisso claro e efetivo com a redução do desmatamento -talvez porque dependa do apoio político de governadores e parlamentares comprometidos com o agronegócio, ou talvez porque considere a preservação ambiental um obstáculo ao crescimento econômico, que tanta popularidade lhe granjeou.
De todo modo, o reconhecimento público de que o Estado simplesmente ignora o que se passa em suas terras na Amazônia já é um progresso. Tal como Sócrates, agora o governo sabe que não sabe. Quem sabe possa fazer alguma coisa no futuro.


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