São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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GUSTAVO FRANCO

Aperto e responsabilidade

BILL CLINTON, quando esteve no Brasil, disse, a propósito dos problemas econômicos dos EUA, algo que cabe muito melhor para os nossos: sempre escolhemos a alternativa correta, mas nunca sem antes experimentar todas as outras.
O enfrentamento, mesmo quando metafórico -"atacar" os problemas econômicos-, é um conceito estranho a um país cordial cuja história já foi descrita como "lenta": levamos mais de 15 anos para reduzir a inflação a um dígito (anual) depois que ultrapassou 100% ao ano. Tudo o que é contencioso, incluindo a Justiça, não anda, apenas se arrasta.
O segredo para essa vagareza no terreno da economia consiste em construir uma teoria, ou uma métrica contábil, a partir da qual se pode demonstrar que o problema não é problema. Dentre todas as "cordialidades" dessa espécie, a campeã é a "teoria" da inércia inflacionária, de triste memória, segundo a qual a hiperinflação era neutra e determinada exclusivamente pelo passado, via correção monetária. Se o passado pudesse ser apagado (!?), sumia o problema.
Há algo parecido no ar, e perigosíssimo: o conceito de superávit primário. Numa definição muito chula, trata-se do resultado das contas públicas desconsiderando a existência da dívida pública, e que ela não tem que ser paga.
Dizer que o superávit primário é "a economia que o governo faz para pagar juros" não está errado, mas é uma meia verdade em linha com um velho e malicioso truque brasiliense: tudo se passa como se os juros fossem uma despesa de segunda categoria, a última prioridade.
Quem quer ter crédito, e ter o benefício de se endividar e de investir, precisa pagar juros, e pagar em dia. Justamente por que o Tesouro paga suas contas em dia ganhamos o "grau de investimento", o que abre muitas portas para o país. É bom ter crédito; por isso a inadimplência é baixa entre os mais pobres.
A dona-de-casa que ouve falar em superávit, primário ou secundário, tem todo o direito de presumir que há um dinheiro sobrando, e que deveria achar bom uso. Se ouve dizer que o governo "faz economia para pagar juro", em vez de gastar no social, está sendo levada ao erro de pensar que o governo fez um "aperto fiscal", aliás, outra maneira lamentável de a imprensa referir-se ao "superávit primário".
Nós vamos ter finanças públicas de Primeiro Mundo e, em conseqüência, juros de Primeiro Mundo no dia, que parece ainda distante, em que designarmos como "responsabilidade fiscal" o que hoje se descreve canhestramente como "aperto".


gh.franco@uol.com.br

GUSTAVO FRANCO
escreve aos sábados nesta coluna.


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