São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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É positivo o balanço de dez anos do modelo das organizações sociais de saúde em São Paulo?

NÃO

Transferir responsabilidade não é solução

FRANCISCO BATISTA JUNIOR

O SUS (Sistema Único de Saúde) foi pensado e construído por profissionais e movimentos populares da saúde para funcionar em rede, descentralizado, com atendimento desde um curativo a cirurgias de alto custo, da prevenção e controle de endemias ao acompanhamento porta a porta, em especial nas regiões de difícil acesso.
Mesmo sendo referência internacional, o SUS tem sofrido muitos ataques, sobretudo dos que vêem na saúde pública mais um nicho de negócio lucrativo. É o caso do Estado de São Paulo, que há mais de dez anos vem transferindo a gestão da saúde pública para entidades privadas, inclusive sem licitação, cadastradas como OSS organizações sociais de saúde, em prejuízo dos usuários que continuam em filas de espera -conseqüência do sucateamento do setor público e das restrições do setor privado.
A principal justificativa dos que defendem a terceirização é a agilidade na compra de material e contratação de pessoal, burlando o que chamam de burocracia. Não entrando no mérito da questão, a legislação existe para coibir o mau uso do dinheiro público. Pode e deve ser aperfeiçoada.
Também se alega que, com a terceirização, o custo diminui. Será?
Os custos das OSS vêm crescendo ano a ano, mostrando que o problema não está no setor público, mas na gestão. Os hospitais e serviços gerenciados por OSS decidem de forma independente o tipo e o número de atendimentos prestados, ficando a população à mercê da oferta de vagas que essas entidades disponibilizam.
Em relatório da Comissão de Acompanhamento das Organizações Sociais em São Paulo, de 2003, já se apontava a redução nos atendimentos de urgência e a lógica da gestão privada -manutenção do equilíbrio financeiro. Desde 2005, jornais destacam a disparidade nos preços de um mesmo medicamento comprado por diversas OSS, variando até 64%.
Em 2007, virou manchete a crise do InCor. A Fundação Zerbini, entidade privada que administra o hospital, acumulou uma dívida de R$ 246 milhões, colocando em risco uma referência em cardiologia, construída e mantida com dinheiro público. Como solução, o governador José Serra restringiu a atuação da fundação e assumiu a dívida, ou seja, dinheiro público financiando a má gestão privada.
Hoje, a terceirização vem sendo questionada também na Justiça. A terceirização do hospital Luzia de Pinho Melo, de Mogi das Cruzes, é um exemplo. O Ministério Público do Trabalho ingressou com uma ação para anular o processo. Entre as argumentações, estão violação da Constituição, que determina que nenhum servidor pode ser contratado sem concurso público; quarteirização de serviços para entidade privada ligada à gestora; irregularidades no pagamento de direitos trabalhistas.
Também está sob investigação o repasse de serviços laboratoriais de unidades da rede pública estadual de saúde para a iniciativa privada. A gestão dos serviços está sendo transferida para OSS, que, por sua vez, quarteirizam exames para empresas privadas.
Um dos tripés do SUS -o controle social- não é respeitado no Estado. O Conselho Nacional de Saúde se posicionou contra as OSS e a terceirização da saúde. Essa deliberação também foi tomada pelo Conselho Estadual de Saúde. A participação e a fiscalização da sociedade na administração pública garantem a boa gestão. Mas precisa haver transparência. Isso não ocorre na gestão das OSS.
Podemos alcançar uma saúde pública com qualidade. O SUS e suas várias instâncias deliberativas estudam, debatem e definem as diretrizes para serem implementadas nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Hoje, o SUS funciona ao custo de R$ 1 por pessoa e atende muita gente. Se investirmos mais, com certeza chegaremos a uma saúde pública universal, integral e equânime para todos, promovendo o desenvolvimento sustentável do país que todos almejam. Não é necessário desmontar a rede de saúde pública nem assistir a epidemias e perdas de vida.
Dos hospitais que prestam serviços ao SUS em São Paulo, 68% são privados. Portanto, se a gestão privada funcionasse melhor, o atendimento hospitalar não teria os problemas que tem hoje. Tratar a saúde como negócio é ideológico e as vidas perdidas é falência na certa.


FRANCISCO BATISTA JUNIOR, 53, farmacêutico, pós-graduado em farmácia pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), é presidente do Conselho Nacional de Saúde e servidor do hospital Giselda Trigueiro, da rede do Sistema Único de Saúde do Rio Grande do Norte.

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