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Pobre e desigual
Pesquisa de Orçamentos Familiares mostra que país avança, mas ainda precisa gastar melhor para superar carências e desigualdades
No início do ano passado, cerca
de 22% dos brasileiros viviam com
o equivalente R$ 6 por dia -preço
aproximado daquilo que restaurantes populares chamam de
"prato feito". A renda média das
famílias dessa faixa era de R$
544,21, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada na semana passada, que traz valores referidos ao
mês de janeiro de 2009.
Uma cesta básica custava àquela altura R$ 215. Seus itens permitiam nutrir quatro pessoas de maneira precária. E a família precisaria arcar com despesas relativas a
outros itens, como habitação,
energia, transporte e roupas.
A atenção aos detalhes é proposital. Ressalta os rigores da vida de
um Brasil eufórico por se projetar
como potência econômica, mas
nem sempre atento ao fato de que
ainda é um país relativamente pobre e, em demasia, desigual.
Há de fato crescimento com alguma distribuição de renda. Segundo o economista Marcelo Neri,
do ano de 2003, data da POF anterior, ao de 2009, o rendimento dos
10% mais pobres aumentou 42%;
o das pessoas no décimo superior
da renda subiu 13%.
Porém, no Nordeste, em 2003, a
renda média per capita dos 10%
mais ricos era 11,8 vezes maior que
a dos 40% mais pobres da população. Em 2009, "recuou" para 11,4
vezes. No Sudeste, passou de 8,3
vezes para 8,2.
A pobreza foi em parte reduzida
graças a transferências sociais.
Para as famílias cuja renda era de
até dois salários mínimos, em
2009 (22% da população), mais de
21% do rendimento advinha de
benefícios e aposentadorias públicas federais.
Valores pagos pelo INSS e programas sociais em geral representam parcela maior da renda dos
mais pobres do que dos mais ricos.
Tal progressividade é porém discutível. O valor absoluto dos benefícios é mais alto nas faixas de
maior renda. Além do mais, os
22% mais pobres, com renda familiar per capita de R$ 177, recebem
relativamente menos do INSS que
a parcela seguinte da distribuição,
os 17,4% da população, com renda de R$ 355.
A grande disparidade está nas
aposentadorias e pensões públicas que não são pagas pelo INSS
-de servidores federais e estaduais. Entre os 22% mais pobres,
0,9% da renda vem daí. No topo
da distribuição, os 3,81% mais ricos, 9% da renda média per capita
de R$ 5.452 vem de aposentadorias e pensões.
São aposentadorias para as
quais em geral não houve contribuição, responsáveis por deficit
tão grande quanto o do INSS, que
no entanto beneficia dez vezes
mais cidadãos.
A iniquidade fica ainda mais
evidente quando se trata do Bolsa
Família. Custa um vigésimo da
despesa do INSS e alcança os mais
miseráveis, mas metade da população com renda adequada ao programa não recebe o benefício.
Sabe-se que não será com transferências sociais que se acabará
com a pobreza -aliás, além de um
certo ponto, tais programas podem se tornar contraproducentes
e insustentáveis.
Além da dose de realismo que
trazem, pesquisas como essa deveriam servir para estimular a
reorganização dos gastos sociais e
tornar menos sombria a vida de
grande parte dos brasileiros.
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