São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2010

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Pobre e desigual

Pesquisa de Orçamentos Familiares mostra que país avança, mas ainda precisa gastar melhor para superar carências e desigualdades

No início do ano passado, cerca de 22% dos brasileiros viviam com o equivalente R$ 6 por dia -preço aproximado daquilo que restaurantes populares chamam de "prato feito". A renda média das famílias dessa faixa era de R$ 544,21, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, divulgada na semana passada, que traz valores referidos ao mês de janeiro de 2009.
Uma cesta básica custava àquela altura R$ 215. Seus itens permitiam nutrir quatro pessoas de maneira precária. E a família precisaria arcar com despesas relativas a outros itens, como habitação, energia, transporte e roupas.
A atenção aos detalhes é proposital. Ressalta os rigores da vida de um Brasil eufórico por se projetar como potência econômica, mas nem sempre atento ao fato de que ainda é um país relativamente pobre e, em demasia, desigual.
Há de fato crescimento com alguma distribuição de renda. Segundo o economista Marcelo Neri, do ano de 2003, data da POF anterior, ao de 2009, o rendimento dos 10% mais pobres aumentou 42%; o das pessoas no décimo superior da renda subiu 13%.
Porém, no Nordeste, em 2003, a renda média per capita dos 10% mais ricos era 11,8 vezes maior que a dos 40% mais pobres da população. Em 2009, "recuou" para 11,4 vezes. No Sudeste, passou de 8,3 vezes para 8,2.
A pobreza foi em parte reduzida graças a transferências sociais. Para as famílias cuja renda era de até dois salários mínimos, em 2009 (22% da população), mais de 21% do rendimento advinha de benefícios e aposentadorias públicas federais.
Valores pagos pelo INSS e programas sociais em geral representam parcela maior da renda dos mais pobres do que dos mais ricos. Tal progressividade é porém discutível. O valor absoluto dos benefícios é mais alto nas faixas de maior renda. Além do mais, os 22% mais pobres, com renda familiar per capita de R$ 177, recebem relativamente menos do INSS que a parcela seguinte da distribuição, os 17,4% da população, com renda de R$ 355.
A grande disparidade está nas aposentadorias e pensões públicas que não são pagas pelo INSS -de servidores federais e estaduais. Entre os 22% mais pobres, 0,9% da renda vem daí. No topo da distribuição, os 3,81% mais ricos, 9% da renda média per capita de R$ 5.452 vem de aposentadorias e pensões.
São aposentadorias para as quais em geral não houve contribuição, responsáveis por deficit tão grande quanto o do INSS, que no entanto beneficia dez vezes mais cidadãos.
A iniquidade fica ainda mais evidente quando se trata do Bolsa Família. Custa um vigésimo da despesa do INSS e alcança os mais miseráveis, mas metade da população com renda adequada ao programa não recebe o benefício.
Sabe-se que não será com transferências sociais que se acabará com a pobreza -aliás, além de um certo ponto, tais programas podem se tornar contraproducentes e insustentáveis.
Além da dose de realismo que trazem, pesquisas como essa deveriam servir para estimular a reorganização dos gastos sociais e tornar menos sombria a vida de grande parte dos brasileiros.


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