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Editoriais
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Na escuridão
Grossos compêndios cobertos
de pó, entre retortas e caveiras,
são um lugar-comum da iconografia quando se trata de evocar o gabinete de estudos do doutor Fausto. O personagem do drama de
Goethe, que assinou com sangue
seu contrato com o demônio, não
se sentiria deslocado ao entrar na
biblioteca do Ministério da Justiça
em Brasília.
Numa sala vedada ao público,
sem proteção contra incêndio,
mofam aproximadamente 6 mil
volumes, no que segundo especialistas constituiria a maior biblioteca da América Latina dedicada ao
poeta e dramaturgo alemão.
Poucas afinidades eletivas haveria entre o autor de "Fausto" e a
galeria de personalidades que escreveram, de 1964 a 1985, algumas
das páginas mais sangrentas da
história republicana brasileira.
É verdade que veio do ministro
Alfredo Buzaid, titular da pasta da
Justiça durante o auge da ditadura
militar, a iniciativa de adquirir, a
preço camarada, o tesouro bibliográfico agora esquecido.
A proximidade entre o passado
político brasileiro e a coleção de literatura clássica alemã se manifesta por outra circunstância.
É que também em Brasília, agora no Arquivo Nacional, um conjunto ainda mais importante de
documentos sofre com o mesmo
descaso. Informações sobre as
ações da ditadura militar correm o
risco de desaparecer. Infiltrações
e fios elétricos expostos ameaçam
um terço do total dos documentos
oficiais referentes ao período.
Não apenas a resistência injustificável de alguns setores, portanto, vai impondo dificuldades ao
conhecimento da verdade histórica. O descaso também.
"Mais luz!", estas as últimas palavras de Goethe. "E menos goteiras!", valeria acrescentar, com
certo humor resignado, diante de
acervos preciosos, que o desleixo
oficial sonega ao conhecimento
público.
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