São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2010

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Editoriais

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Na escuridão

Grossos compêndios cobertos de pó, entre retortas e caveiras, são um lugar-comum da iconografia quando se trata de evocar o gabinete de estudos do doutor Fausto. O personagem do drama de Goethe, que assinou com sangue seu contrato com o demônio, não se sentiria deslocado ao entrar na biblioteca do Ministério da Justiça em Brasília.
Numa sala vedada ao público, sem proteção contra incêndio, mofam aproximadamente 6 mil volumes, no que segundo especialistas constituiria a maior biblioteca da América Latina dedicada ao poeta e dramaturgo alemão.
Poucas afinidades eletivas haveria entre o autor de "Fausto" e a galeria de personalidades que escreveram, de 1964 a 1985, algumas das páginas mais sangrentas da história republicana brasileira.
É verdade que veio do ministro Alfredo Buzaid, titular da pasta da Justiça durante o auge da ditadura militar, a iniciativa de adquirir, a preço camarada, o tesouro bibliográfico agora esquecido.
A proximidade entre o passado político brasileiro e a coleção de literatura clássica alemã se manifesta por outra circunstância.
É que também em Brasília, agora no Arquivo Nacional, um conjunto ainda mais importante de documentos sofre com o mesmo descaso. Informações sobre as ações da ditadura militar correm o risco de desaparecer. Infiltrações e fios elétricos expostos ameaçam um terço do total dos documentos oficiais referentes ao período.
Não apenas a resistência injustificável de alguns setores, portanto, vai impondo dificuldades ao conhecimento da verdade histórica. O descaso também.
"Mais luz!", estas as últimas palavras de Goethe. "E menos goteiras!", valeria acrescentar, com certo humor resignado, diante de acervos preciosos, que o desleixo oficial sonega ao conhecimento público.


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