São Paulo, Segunda-feira, 28 de Junho de 1999
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Transparência e controle no Ministério Público



É correta a destruição de inocentes para "mostrar" com rapidez à sociedade que a impunidade está acabando?
GERALDO FACÓ VIDIGAL
A recondução do dr. Geraldo Brindeiro ao cargo de procurador-geral da República, pelo terceiro mandato, foi cercada por fatos que merecem reflexão.
Há acusações ao dr. Brindeiro em decorrência de viagens particulares que fez utilizando aviões públicos. A subprocuradora-geral da República, dra. Delza Curvello Rocha, denunciou a existência de "um Ministério Público Federal truculento e arbitrário" e chamou de "comandar um bando" a função de procurador-geral da República. Afirmou, ainda, que os procuradores "vêem o Estado como um fim em si mesmo" e que os inquéritos civis "anulam o respeito ao indivíduo".
Contra ela, que cumula funções no Superior Tribunal de Justiça e na coordenação da Câmara de Patrimônio Público do MPF, foram instaurados inquéritos civis no Ministério Público Federal, por ter derrubado na câmara recomendação à Secretaria do Tesouro para que não fosse liberada verba orçamentária de R$ 22 milhões destinada ao Fórum Trabalhista de São Paulo, sob o argumento de que a obra deve ser terminada, e por demora em agir em algumas investigações de narcotráfico.
Essas ações e reações revelam ao público a existência de dissidências no seio do Ministério Público Federal sobre sua forma de atuação. O saldo da controvérsia vai além do debate interno travado sobre a própria forma de atuação de membros do MPF.
Se há quem não hesite em destruir vidas de pessoas, por vezes inocentes, na busca de atingir seu dever constitucional na defesa da democracia, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, deve ser observado que a sociedade exige a prisão dos criminosos, e não a simples e rápida exposição de inocentes e culpados, colocados diretamente em exibição pública com a pecha de criminosos e expostos no "pelourinho" virtual à disposição nos meios de comunicação, sem distinção de diferenças -que só serão identificadas pelas condenações obtidas nas barras dos tribunais.
Há verdadeira "morte civil" daqueles que, mesmo inocentes, são expostos à execração pública, além da destruição de vidas e carreiras dos injustamente acusados e de seus familiares.
É verdade que a nau do Estado se encontrava, aparentemente, sem rumo. O Ministério Público, vendo a emergência, arvorou-se por vezes em piloto, tomando o timão com extraordinária competência, em alguns casos até sem saber exatamente o que fazer ou para onde ir. Mas restam questões a analisar.
É correta a destruição de inocentes (e de suas famílias) para "mostrar" com rapidez à sociedade que a impunidade está acabando, mesmo à custa de alguns "cadáveres" guardados no armário da consciência? A defesa do patrimônio público deve estender-se também à finalização das obras públicas, além da responsabilização de culpados, fazendo levar a cabo tanto essas obras quanto as demonstrações de culpa e responsabilidades dos acusados? Deve haver revisão na lei para que se aplique ao Ministério Público a alternância em cargos de chefia responsáveis pela fiscalização da lei, da democracia e da Constituição? E em que medida?
A defesa é vocação constitucional da advocacia. O julgamento, do Poder Judiciário. Não se pode pretender exigir do Ministério Público julgamento isento, antes de fazer a acusação, sem violar sua própria vocação constitucional, tornando-o corpo amorfo e vazio.
E, se não se deve reduzir a independência dos seus membros, também não deve haver poder sem responsabilidade. Pode a lei exigir e responsabilizar, revestindo de sigilo os inquéritos civis até que as provas obtidas sejam transformadas em acusação perante a Justiça. Pode a lei instituir mecanismos de proteção à sociedade, exigindo alternância em determinados cargos e funções públicos. Se membros do Ministério Público Federal por vezes ultrapassam suas funções constitucionais, seja atuando em questões de direitos disponíveis, constitucionalmente a ele proibidas, seja pela atração fácil das luzes da ribalta, destruindo vidas e famílias inocentes, devem a lei, o Poder Judiciário, a advocacia -enfim, a sociedade- buscar correções de rota.
O debate que vazou do corpo inteiro do Ministério Público pode dar a falsa sensação de que há prejuízo para a instituição no debate público de suas mazelas. O que há, porém, é um bem para a sociedade: a transparência e o controle que o Ministério Público exige dos demais entes públicos devem a ele também ser aplicados. Não deve haver poder ou estrutura pública sem nenhum controle externo, entregue somente à própria capacidade de julgamento e descortino, por mais brilhantes e competentes que sejam, na maioria, seus membros (como hoje é o caso do Ministério Público Federal), pois o poder absoluto corrompe inevitavelmente.
Geraldo Facó Vidigal, 46, doutor em direito econômico e financeiro, é conselheiro e presidente da Comissão de Legislação, Doutrina e Jurisprudência da OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil/São Paulo) e vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo.


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