São Paulo, Segunda-feira, 28 de Junho de 1999
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Os euroespertos e os mercotrouxas



Nós abrimos a economia do país por abrir, sem critérios e sem negociar contrapartidas com os nossos parceiros
ABRAM SZAJMAN
"Os europeus têm mais ou menos 500 anos de história em negócios no mundo, enquanto o Brasil irá completar 500 anos de história no ano que vem", disse um empresário europeu, não sem certa malícia, numa das múltiplas repercussões causadas pelos obstáculos colocados pela França ao diálogo Mercosul/União Européia.
A observação, entretanto, procede; os fatos o demonstram. E não só para o Mercosul como bloco: o Brasil, em particular, tem revelado açodamento na hora de pôr em prática os preceitos do livre-cambismo, mais pregados do que praticados pelos europeus (aliás, seus inventores). A decisão da França de condicionar a discussão sobre produtos agrícolas, no contexto da proposta de criação de uma área de livre comércio entre Mercosul e UE, à negociação em escala planetária no âmbito da Organização Mundial do Comércio revela claramente nossa ingenuidade.
Os franceses, campeões mundiais não só do futebol (agora), mas dos subsídios ao setor agrícola (há muito tempo), demonstram que os países não têm amigos, e sim interesses. No comércio internacional, a lei que ainda vale, infelizmente, é a de Gerson -levar vantagem em tudo. O subsídio francês embutido num produto como o frango, por exemplo, representa um valor maior que o do próprio frango. Como é possível competir com o produto agrícola francês no mercado da França ou num outro qualquer?
A UE está sendo liderada pela Alemanha, cujo governo trocou recentemente de mãos. Os ímpetos protecionistas (da agricultura) do social-democrata Schroeder não são tão fortes como os do democrata-cristão Kohl. Isso provoca uma contradição entre os dois principais países continentais do bloco: o governo alemão não quer bancar os subsídios dos outros por meio da UE, enquanto o governo francês tem de jogar para sua base política de produtores de queijos da Normandia, colocando pedras no caminho das relações com o Mercosul, cujos países são fortemente competitivos no setor agrícola.
Em qualquer caso, porém, prevalecem a astúcia e a prudência européias diante da nossa precipitação. O Brasil vem de um processo de abertura do seu mercado interno inicialmente saudável, mas que, no meio da década (mais exatamente, no final de 1994), transformou-se numa avalanche descontrolada de importações. Nós abrimos o país por abrir, sem critérios e sem negociar contrapartidas com os nossos parceiros.
Atribuímos a nós mesmos o pomposo título de "global traders", que significava mais ou menos o seguinte: não precisávamos de garantias contra barreiras comerciais porque vendíamos para todos os mercados e blocos. Em outras palavras, se a Europa não quisesse comprar de nós, sempre teríamos para quem vender. As recentes crises internacionais mostram que essa história era um conto de fadas e que a realidade é bem mais dura: no comércio globalizado, quem não chora não mama. E não basta chorar: é preciso agir.
Assim, não adianta apenas denunciar, como fez o presidente Fernando Henrique na OMC, em Genebra, há mais de um ano, quando participou do encontro de chefes de Estado e de governo que marcou o 50º aniversário do sistema internacional de comércio.
"O Brasil assiste, perplexo, ao maior aparato de protecionismo já montado na história, em que US$ 560 bilhões vêm sendo despendidos por ano pelos países desenvolvidos para impedir que seus produtos sejam submetidos às regras gerais de concorrência em seus próprios países e em terceiros mercados", disse então o presidente. Esperamos que agora, na reunião de 48 chefes de Estado e de governo da América Latina e do Caribe com a União Européia, os líderes do Mercosul não só falem grosso, mas respaldem as palavras com atos -inclusive a alternativa de acordos com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Caso contrário, os neologismos do título deste artigo correm o risco de entrar para o vernáculo.
Abram Szajman, 59, empresário, é presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).


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